quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A minha Fada Oriana, chuif, chuif

O livro que eu mais adorava quando era pequena era a Fada Oriana, da Sophia. Li-o até à exaustão, não sei quantas vezes, e lembro-me de, ainda antes de começar o primeiro parágrafo, no vulto esguio, impreciso, uma silhueta apenas, que aparecia na magnífica capa da Fada Oriana:


Este vulto fazia parte da história, era a antecipação da Fada Oriana, do Peixe, do Poeta, de toda a história que eu conhecia tão bem e de gostava tanto. Imaginava, e imagino, a Fada Oriana assim, uma figura feminina leve, com esta cor azulada, roxa, verde, esquiva como uma verdadeira fada deve ser. O resto, inventava eu.
Foi, portanto, com grande tristeza e consternação que este Natal, quando quis comprar a minha Fada Oriana para dar de presente, soube da notícia que as edições antigas estão a ser substituídas por outras feiosas, mas mais modernaças, mais espalhafatosas, que entopem a imaginação e explicam tudo bem explicadinho, não vá a gente não saber como é que as fadas são:


A minha desilusão foi tão grande que até a senhora da livraria sentiu a necessidade de demonstrar alguma simpatia por mim: "eu também gostava mais das edições antigas, mas eles acham que assim é mais apelativo..."
De modo que fui a outra livraria e adquiri todas as edições antigas que consegui encontrar dos livros para crianças que a Sophia escreveu. Consegui o Cavaleiro da Dinamarca, a Floresta e o Rapaz de Bronze, mas duvido que consiga a Menina do Mar e a minha Fada. 
É muito mau corromperem-nos as memórias de infância desta forma. A minha Fada Oriana, pá. Não se faz! 

Não podemos ser normais

Indeed, the lack of any convictions in Greece over racist attacks has allowed migrants to be targeted with impunity, said Nikitas Kanakis, head of Doctors of the World in Greece.

Se fosse só a Troika a esventrar a Grécia, haveria ainda uma porta aberta. Mas a Grécia mata-se a si própria, numa onde de corrupção imparável, em que políticos perdem a vergonha na cara que provavelmente nunca tiveram e em que os cidadãos, como se vê pela notícia acima, embrenham-se na cobardia mais brutal que existe, aquela que impunemente lhes permite violentar estrangeiros, imigrantes, pobres e desprotegidos. 
A Aurora Dourada, na Grécia, reúne cerca de 10% dos votos, o que lhe confere mais ou menos 20 assentos parlamentares (figuras aproximadas, não sei os números certinhos). É uma enormidade para um partido que não deveria sequer existir, ou que se devia confinar a um grupo reduzido de lunáticos de quem as pessoas normais fazem troça. Mas estas "pessoas normais" são as mesmas que, nos dias de hoje, na Grécia, afirmam descontraidamente que há estrangeiros demais em Atenas - é tão cansativo... 
Por falar em Atenas, cidade em que já estive várias vezes, e que visitei novamente este Verão - nota-se que as coisas mudaram, e o que me fez notar que piores dias virão não foi propriamente lojas fechadas em catadupa, bombas de gasolina abandonadas onde sem-abrigos desamparados se refugiavam, mas sim um pequeno incidente que presenciei no eléctrico. Uma senhora polaca, com o filho pela mão, quer entrar no eléctrico com a bicicleta da criança, e o condutor impede-a, porque tem ordens estritas para não deixar entrar bicicletas aos Domingos. Não houve uma cena de gritos, nem o condutor foi particularmente mal-educado, mas a verdade é que se ficou ali algum tempo, a senhora a insistir, e o condutor a recusar a bicicleta. De repente, levanta-se um passageiro, que não tinha nada a ver com aquilo, e dirige-se directamente à senhora dizendo "a senhora é uma convidada na Grécia, não é daqui, portanto não pode desrespeitar as leis deste país que não é o seu". 
Há uma cena no magnífico filme de Bob Fosse, Cabaret, em que um camisola castanha vai, precisamente, ao cabaret, e é escorraçado dali para fora, elemento indesejado, escumalha com que ninguém quer conviver. Um dos artistas até troça de Hitler, fazendo a saudação nazi e colocando um dedo abaixo do nariz, na tentativa de imitar o bigodinho ridículo, e com isto conseguindo risada geral.
O mesmo filme acaba com um mar de gente num piquenique, ou numa espécie de "pub", não me lembro bem, a aplaudir um menino lourinho, da juventude hitleriana ou coisa parecida, em que todos se levantam e, de pé, fazem a saudação nazi. Tenebroso.
E lembro-me sempre desta cena quando me lembro da Grécia, a minha querida Grécia, que, como diria a nossa Sophia, parece agora um país que se mata lentamente. 
Não é normal que a Aurora Dourada tenha 20 lugares no Parlamento, não é normal que o padeiro grego tenha espancado o seu empregado egípcio quase até à morte e tenha contado com a complacência da polícia. E também não é normal que as pessoas normais, como nós, como todos os gregos, achem que isto é normal.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Cada macaco no seu galho

Comprar um bilhete de avião na British Airways é uma experiência interessantíssima, de grande interesse sociológico.
 Ao contrário da TAP ou doutra companhia aérea qualquer, a BA faz questão de tratar o cliente como ele deve ser tratado, atribuindo-lhe a correctíssima forma de tratamento que ele merece. Assim, quando chegamos àquela parte da identificação, escrever o nome, número de passaporte e etc., temos à nossa disposição uma lista infindável de retumbantes títulos: além dos vulgares "Miss", "Mrs" ou o democrático "Ms", ainda temos opções como baronesa, condessa, viscondessa, lady, dame (e respectivos equivalentes masculinos) e quejandos - confirmar aqui, na entrada "Title". Todo um mundo de aristocracia e hierarquia por onde escolher, que efectivamente distingue a British Airways das outras companhiazecas que tratam toda a gente tu-cá-tu-lá, como se fôssemos todos iguais. Francamente. 
Mas a BA não se fica por aqui, não. A BA sabe que os seus clientes distintos têm igualmente filhos distintos, de modo que, quando se compra um bilhete de avião para uma criança, há que distinguir entre "miss" ou o encantador (e isto mata-me, sinceramente) "mstr" - "master", para os queridos varões perpetuadores do imenso brasão que cada família que voa com a BA certamente detém.
Cada macaco no seu galho, e a BA está bem ciente disto. Quem me dera que fosse sempre asssim, para que o mundo voltasse à ordem primordial de onde nunca deveria ter saído.
Porém, há que admitir que a British Airways faz anúncios muito bonitos, como este antiguinho que deixo aqui em baixo e que me lembro de ver em pequena. Há que domesticar o indígena desde tenra idade. 


Adoro pessoas...

... que dizem "o téni" como singular de "ténis". Um téni, dois ténis.
É tão querido.
E um "lápi", dois "lápis"? Fofinho.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A oportunidade faz o ladrão

Sinceramente, houve um momento na vida em que, se eu tivesse engenho e arte, tinha surripiado uma coisa. Há uns anos, vi este poster na Cinemateca, encostado a uma parede, enorme e lindo, lindo, lindo. É uma imagem tão bonita, esta, e na Cinemateca ainda era mais bonita porque, se bem me lembro, as letras eram mais pequenas, os rostos tinham ainda mais impacto e pareciam quase desenhados a carvão (pelo menos, é assim que eu me lembro). 
Não deu para roubar, porque o poster era muito grande e estava emoldurado. Foi pena, porque ficava a matar em minha casa. Ainda nem sequer vi o filme, mas um poster destes na parede, tão bonito, daria um tal élan, um tal ambiente, que mais facilmente eu encetaria esforços para ver o filmito. 
Há que tempos que não vou à Cinemateca, de modo que não sei se o poster ainda lá está.
Gosto tanto de olhar para esta imagem, é que gosto mesmo. 

Como diz o cão dos Bichos, "misérias... "

Há tanta gente que quer escrever, escrever, escrever até morrer, não fazer mais nada, que não quer ter de se preocupar com mais nada, não quer depender de um "emprego" para pagar as contas e forçosamente perder tempo que podia aproveitar para escrever, e estas pessoas têm talento, pelo menos conheço algumas que têm, que escrevem bem melhor do que os Pedros Boucheries Qualquer Coisa deste mundo e a eles ninguém lhes edita livro nenhum (e não, não estou a falar de mim, eu nunca escrevi qualquer romance nem tenho um amontoado de folhas na gaveta à espera que o meu Max Brod revele a sua glória ao mundo).
E porém, de certa forma, estou a falar de mim. Gostava mesmo que me pagassem para escrever, não precisava de ser muito, precisava de ser o suficiente para eu deixar o "emprego" e não ter de me preocupar com as misérias de todos os dias, as misérias que necessariamente acompanham o "emprego".
E sei que tenho sorte, apesar de tudo. Não me pagam para escrever, mas também não me faltam ostensivamente ao respeito. No outro dia, por exemplo, fui ao Aki em demanda da minha primeira árvore de Natal, isto é, a primeira que a minha casa vai ter (em anos anteriores, a minha árvore de Natal era a da casa da minha mãe, mas este ano, e por motivos de força maior, vou ter uma também em minha casa, mas adiante!), dizia, estava eu no Aki e ouço um senhor que lá trabalhava, por acaso até com um ar simpático, dirigir-se assim a uma outra funcionária: "ó não-sei-quantas, acabe de limpar isto aqui e depois vá até ali ter com o não-sei-que-mais e tratem daquele assunto que eu vos disse para tratar". Isto dito de forma abrupta, assertiva, não propriamente mal-educada, mas imperativa demais para meu gosto. Que faria eu se tivesse um emprego em que a entidade patronal se dirigisse a mim nestes termos? A não ser que se tratasse de flagrante falta de respeito, o que não era o caso, provavelmente não poderia fazer nada. E percebo que a vida das pessoas em geral, e a minha também, é assim, engolir imposição atrás de imposição, coisa que apenas é amenizada quando se tem a sorte de trabalhar num sítio em que as pessoas procuram ser amenas e fingem que são todas iguais. É um fingimento, mas ajuda a suportar o dia-a-dia, acho eu.
E voltando à escrita. Vi ontem uma entrevista antiga com Saramago, na RTP Memória, e ele dizia que não percebia o conceito de arte pela arte, que o escritor não vive em torres de marfim, o escritor é um homem que vive no mundo, para o mundo, para as pessoas. E que os livros se fazem disso, de pessoas, de mundo. Eu acho que concordo (embora a ideia da torre de marfim me agrade), e precisamente por isso, porque o escritor é do mundo, seria bom haver escritores a viver apenas e só do mundo, para a escrita, sem necessidade de mais nada, sem necessidade do emprego do Kafka na repartição, por exemplo. Como diz Rilke, e como já citei e volto a fazê-lo, as profissões são todas assim, cheias de imposições, cheias de hostilidade contra o indivíduo, embebidas de ódio, por assim dizer, daqueles que cumprem mudos e a contragosto os seus insípidos deveres. Não há nenhuma profissão que seja larga e espaçosa o bastante, que esteja em relação com as coisas maiores que fazem a vida genuína.
E para acabar, é bom que fique claro que não estou aqui a dizer que o desemprego é benéfico e etc. Sei que o desemprego é trágico, e este post, ao falar de "emprego", não visa sequer tocar neste assunto. Apenas digo que os empregos, quando se arranjam, nem sempre respondem a tudo o que nós queremos. Às vezes, até nos emaranham mais a vida. Como diz Truman Capote citando Santa Teresa d'Ávila (eu cito Capote e por isso vai em inglês), more tears are shed over answered prayers than unanswered ones.
E por hoje é tudo.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Ataque fácil

Não diferindo grandemente das pessoas que gostam de criticar livros que já se sabe que são maus, vou aproveitar e lançar a minha facadinha inconsequente não ao livro 50 Shades of Grey, que não li nem vou ler, mas antes à sua autora, EL James. O Guardian compilou uma lista de vários escritores que apresentam os seus livros preferidos de 2012 e, sem qualquer supresa, é evidente que a mesma EL James começa logo por se desculpar - It's been a whirlwind year for me so finding time to read has been difficult
 Muito mau. Muito mau, mesmo. Um "escritor" que diz que não teve tempo para ler, que começa a justificação das suas leituras com esta desculpa desleixadíssima? Mesmo que eu fosse uma pessoa melhor, que não sou, isto presta-se tanto ao enxovalho que não sou capaz de resistir ao dito enxovalho, e daí passar imediatamente para a afirmação seguinte, que é a que duvido muito que a EL James seja verdadeiramente uma escritora. Ora compare-se a sua horrível desculpa com o que diz a grande Sue Townsend: Have you ever seen Mr Magoo standing on the end of a girder, arms outstretched over the void? Well, I'm Mrs Magoo. I've not been able to read a book without a magnifier since I turned into her 10 years ago. But I didn't stop buying books...
A Sue Townsend tem tido problemas de saúde graves, e comoveu-me o amor que revela por livros e pela leitura, tão diferente da leviandade da outra James. 
Livros escritos por quem não gosta verdadeiramente de ler, por quem consegue viver sem ler, não podem ser bons, e este é um excelente argumento, se outros não existissem, para não perder tempo com o tal 50 Shades. E porém, tenho de ser absolutamente honesta e dizer que eu bem posso estar para aqui a criticar a EL James, que se presta a ataques fáceis, mas a verdade é que ela conseguiu publicar um livro que muita gente tem interesse em ler, e eu não; que ela pode confortavelmente viver da sua escrita, e eu não. De modo que ela ganhou, e eu não. Não muda em nada a crítica que lhe dirijo, mas enfim, certas coisas têm de se admitir.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A minha Joan, sempre "aquela" diva

O cinema não teme, o cinema não deve

Este artigo do Público, ao qual cheguei via facebook, é interessante porque fala daquilo "que o cinema deve à literatura". Não sei se concordo inteiramente com esta ideia de que o cinema deve algo ao que quer que seja, porque me parece minimizar o cinema como arte, mas a verdade é que se ouve sempre falar de grandes filmes baseados em grandes livros, sendo que o inverso raramente acontece; também é frequente o filme ser francamente pior do que o livro, o que nos pode fazer chegar à conclusão de que a literatura é a arte maior e o cinema uma arte irredutivelmente, inevitavelmente menor.
E porém, todos sabemos que não é assim, de modo que o que eu gostava de descobrir são os casos em que o filme é francamente melhor do que o livro, ou tão bom quanto o livro. Penso que já escrevi que, na minha opinião, Lolita  do Kubrick é tão bom como o original de Nabokov; apesar de nunca ter lido a Última Hora (25th Hour no original), de David Benioff, aposto, e aposto mesmo, que este livro será claramente inferior ao filme maravilhoso de Spike Lee com o mesmo nome. O conto que deu origem a Brokeback Mountain, apesar de ser muitíssimo diferente do filme,  é tão bom como o filme, mas não o ultrapassa (mais uma vez, apenas na minha opinião); nunca li o Padrinho, de Mario Puzo, mas estou igualmente disposta a apostar que ou é pior do que o filme ou tão bom como, mas não melhor; E Tudo o Vento Levou, que me dei ao trabalho de ler por gostar muito do filme, é bastante inferior ao magnificente e arrebatador pastelão melodramático e lindo que é o próprio filme. E o que dizer da dupla 120 Dias de Sodoma, Marquês de Sade/República de Saló, Pasolini? O que dizer? Alguém que responda a isto, por favor, já que eu não li o livro nem vi o filme, por falta de engenho, arte e estômago; no entanto, gostaria de poder opiniar sobre os mesmos (idem aspas para a saga Twilight; por acaso, tenho uma amiga que disseca os livros e os filmes e farta-se de protestar contra aquilo e acha que é tudo uma manobra nojenta e manipuladora dos Republicanos mais extremos lá dos States e etc. e tal, e ou ela tem razão ou leu a converseta toda nalgum lado, mas de qualquer forma, o que ela diz parece fazer sentido; eu vi o filme em que a Bella tem o bebé e meu Deus, se há visão mais castigadora da sexualidade adolescente e da emancipação feminina, não estou a ver, nem quero ver).
Continuando. Só me consigo lembrar destes exemplos. No fundo, apenas queria dizer que a arte, quando nasce, é para todos, e que o cinema é arte a par da literatura, sendo ambos, até, relativamente semelhantes. Assim, o que há a fazer é complementá-los, isto é, há que ler bons livros e ver bons filmes e exigir sempre bons filmes e bons livros para nos salvar a vida. Sem isso, a gente não vive. 

terça-feira, 27 de novembro de 2012

The Plot Against America, Philip Roth (SPOILERS!)

Breve nota (adoro esta expressão: "breve nota") para comentar o livro que recentemente acabei de ler, The Plot Against America, de Philip Roth. 
Foi o primeiro livro a sério de Roth que li. Há anos li "The Dying Animal" e não gostei muito. É daqueles livros que nos deixa um bocadinho indiferentes, nem bom nem mau, nem carne nem peixe, acho eu. No entanto, este Plot.. é bem giro, bem construído, e em geral bastante catita. Tem, contudo, uma falha grande que não consigo ultrapassar, que é aquele fim absolutamente desajeitado. Ora pensem comigo (outra expressão parva que adoro): Lindbergh é presidente, a América é varrida por uma grave onda anti-semita, a sombra ameaçadora da Alemanha nazi paira sobre a soberania dos Estados Unidos; de repente, Lindbergh tem um acidente de avião, desaparece, especulação para aqui e para ali para saber o que lhe aconteceu, a Primeira-Dama é raptada da Casa Branca e a presidência é ocupada por um facínora ainda pior que o Lindbergh, que permite que violentíssimos motins e rixas produzam uma noite em tudo semelhante à Noite de Cristal e que morram centenas de judeus, isto na terra da liberdade que deveriam ser os Estados Unidos; de repente, a Primeira-Dama, viúva de Lindbergh, escapa do colete de forças em que a haviam aprisionado, regressa à Casa Branca, diz que isto assim não pode ser, que se Lindbergh desapareceu tem de haver eleições outra vez, vai-se a eleições, felizmente ganha o Roosevelt e não o outro tal facínora, e depois de sofrimento e muita angústia e de anos a viver em efectiva ditadura, a vida volta mais ou menos ao normal, sendo que a lição a retirar é que a democracia facilmente se desmorona e se transforma em totalitarismo quando as pessoas não têm os olhos bem abertos e não defendem acerrimamente os seus direitos, liberdades e garantias. 
Esta é, sem dúvida, uma boa lição, mas o livrinho deixou-me assim um tanto ou quanto insatisfeita. Não sei, acho que falta ali uma personagem maior, mais desenvolta; por exemplo, a figura do pai Roth, que é uma figura tão interessante, fica sempre dependurada sem nunca obter o justo papel no romance que deveria ter, e o fim pareceu-me muito à pressa. As pessoas babam-se pelo Roth mas se calhar ele não é assim tão bom (digo eu, do alto da minha imensa e conhecida autoridade que qualquer dia me vai valer um Nobel ou coisa que o valha).
Mas atenção, o livro está muito giro e vale a pena ler.
Se alguém tiver lido o Plot... e tiver uma visão diferente da minha, ou igual, porreiríssimo, é usar caixa de comentários e assim "encertar" uma piquena discussão. 
Até breve.

Deve haver certamente outras maneiras de uma pessoa se salvar, senão estou perdida...

Andava aqui a ler o blog da Luna e deparei-me com o post em que ela se queixa dos reviewers que lhe fazem comentários estúpidos aos artigos que escreve; pensei que ela tinha toda a razão, porque esta coisa do "peer-review" é um processo absolutamente espúrio, em que normalmente a pessoa tem de se sujeitar a tudo os que designados "reviewers" se lembrem de dizer, mesmo que estes não percebam exactamente aquilo que estão a comentar. A minha área é bastante diferente da Luna, e consequentemente a minha experiência também, mas aconteceu-me os tais "reviewers", que não sabiam ponta de português mas sim de espanhol, darem sugestões desajustadas relativamente à tradução para inglês de certos termos em português, desvirtuando assim a relevância dos exemplos que eu queria dar. Aquilo irritou-me tanto, mas tanto, que decidi que seria preferível não ver a porcaria do artigo publicado do que andar a alterar informação só para que esta se tornasse compatível com os caprichos autoritários impostos pelo "peer-review". É um joguinho de autoridade que me agrada pouco, sendo que quem ficou a perder fui eu, o "underdog" que não publicou o tal texto, e isto porque hoje em dia o que conta são os artiguinhos publicados em toda e qualquer espécie de periódicos, mesmo que não prestem, que sejam variações ad aeternum do mesmo artigo, mesmo que as fontes bibliográficas não passem do chamado "name dropping" para impressionar o indígena e etc. e etc. (atenção: muitos parabéns e justiça seja feita aos investigadores que de facto escrevem coisas que interessam e que as publicam. Precisamos deles, eu é que não faço parte desse grupo). Mas enfim, e sumariando, falta-me fortemente a pachorra. Digamos que não quero saber.
E por não querer saber, vejo-me na iminência de ter de dar uma volta à vida de 180 graus (de 360 já dei muitas vezes e nunca saí do mesmo sítio - ah, ah, ah! Piadola, queiram desculpar, bem haja).  Tem de haver forma de a pessoa viver a vida e poder dizer "eu, de facto, quero saber. Importo-me.". É disto que estou à procura; e porém, tenho sentido grande falta de orientação. Preciso de um pouquinho de orientação, como diz a Kika no final do filme do Almodovar. 
De modo que assim sendo, boa sorte para mim e para todos nós, porque no fundo, como canta o Sérgio, cá vamos andando com a cabeça entre as orelhas e se calhar mais não podemos pedir.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A bola de cotão

Há muitos anos, passei um Verão a viajar por todo o lado, tendo o périplo começado num comboio que ia de Santa Apolónia a Hendaia, sendo que aqui, no meio dos Pirinéus, a gente saía (era o "transbordo") e apanhava outro comboio que atravessava a França inteira e desembocava em Paris. Espectacular.
Bom, eu tinha decidido que o melhor era poupar todos os trocos que conseguisse e reservar um lugar normal no comboio, passando a noite a dormir no banco e não naqueles vagões-cama com beliches. Assim como assim, as minhas insónias não se iam deixar abater por beliche alheio, de modo que o banquinho normal estava perfeito, ao pé da janela e tudo, a ver as vistas. Tive sorte com os companheiros de viagem, porque ao pé de mim sentaram-se uns rapazes giros que iam não sei para onde (tenho a vaga ideia de que iam de comboio até à Grécia, mas não me lembro) e um senhor muito querido e simpático, este sim, também com destino a Paris. E o senhor, como é normal, começou a conversar e a contar coisas da vida dele - que toda a vida tinha trabalhado em França mas que agora, já mais velhote, vivia em Portugal para estar perto da filha e dos netos. No entanto, de vez em quando, dava-lhe jeito trabalhar em França, e apanhava o comboio para Paris, suportando assim, ciclicamente, aqueles dois dias de viagem. 
Lembro-me de termos chegado a Paris e de nos termos despedido calorosamente e de ele me ter tratado por "Ritinha", dizendo qualquer coisa como "adeus, Ritinha, corra tudo bem, tenha uma boa viagem a partir daqui". E lembro-me de o ver a afastar-se, de boné na cabeça, e a carregar uma mala pesada, daquelas antigas sem rodinhas, daquelas que a Linda de Souza designaria por "mala de cartão".
E lembro-me de ter pensado que, se fosse escritora, pegava naquele senhor e escrevia um livro inteiro a partir do episódio em que o conheci. Nunca consegui. 
E hoje em dia penso que, se calhar, nunca consegui porque não há mais nada para dizer. A vida, se calhar, é mesmo só isto, estes pequenos episódios em que conhecemos pessoas e elas, por alguma razão, deixam uma memória. Mas não dá para fazer mais nada com essa memória. Começou e acabou, pronto.
Os Saramagos, os Hemingways deste mundo estão, no fundo, a escrever sobre eles, sobre a tralha que eles carregam e que de alguma forma tem de sair cá para fora. Não escrevem verdadeiramente sobre os outros. 
Eu não tenho tralha suficiente para escrever, e isso entristece-me. Ou por outra, tenho, toda a gente tem, mas a minha está lá para o fundo, recusa-se a sair e é como ver uma bola de cotão debaixo da cama, a gente querer lá ir com o aspirador, e o tubo ser curto de mais e ficar a bola de cotão debaixo da cama para sempre, a crescer, cada vez com mais cotão, sem nada nem ninguém que a consiga limpar. Os Saramagos e os Hemingways deste mundo são pessoas higiénicas, ao passo que eu não sou. E isso custa um bocadinho. 
O senhor era mesmo querido. Espero que tudo lhe tenha corrido bem. Sinceramente. 

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Brideshead Revisited e considerações inconclusivas

Com isto tudo e com a bandeira ao contrário, esqueci-me de dizer que já acabei de ler Brideshead Revisited, obra que recomendo. E porquê?
A princípio, e apesar de se tratar de um livro muitíssimo bem escrito, a historiazinha irritava-me um tanto ou quanto. A personagem de Sebastian como Rei-Sol, toda aquela atmosfera de deslumbre e fascínio pela aristocracia, parecia-me pouco interessante, de tal forma que comecei a pensar que, se era para ler um sonho húmido sobre a aristocracia inglesa, conseguia o mesmo efeito a ver o Downton Abbey ou coisa que o valha. E porém, convém que não nos deixemos enganar pelas erróneas primeiras impressões (as minhas primeiras impressões são quase sempre erróneas, mal informadas e desleixadas), e ainda bem que levei o mote a sério e persisti na leitura do livrinho, já que este se veio a revelar como o oposto (quase o oposto, vá) daquilo que eu pensava. 
Na verdade, quanto mais penso em Brideshead, mais o encaro como um relato bastante desiludido de um admirável mundo prometido que não encerra mais do que desilusões e mentiras. E esta conclusão baseia-se em coisas várias - o destino do pobre Sebastian que, de tão acre face à magnificência insuportável da família, prefere encafuar-se num mosteiro longínquo, desterrado, bêbedo, alvo de pena e caridade; Cordelia, tristonha, solitária; Julia, tomada de tanta religião e aristocracia que recusa uma história de amor que talvez lhe trouxesse alguma felicidade; o capitão Charles Ryder, o narrador que, por se ter metido com gente acima daquilo que a sua vã filosofia conseguia alcançar, termina, nas suas próprias palavras, sem filhos, sem casamento, sem amor, sem nada; o patriarca dos aristocratas Flyte, que percorre a Europa com a amante em constante fuga da esposa legítima, e que no fim da vida não consegue nada de melhor do que o perdão espiritual, um sinal da graça de Deus - em si mesmo, é algo poderosíssimo, claro, mas não deixa de representar igualmente o falhanço das opções que este homem tomou em vida, como marido, como pai, como ser humano.
E tudo acaba em apagada e vil tristeza, a sumptuosa Brideshead uma penosa memória da fortuna de outros tempos que acaba por não trazer nada de bom a ninguém.
Evelyn Waugh explica, no prefácio à obra, que o excesso com que às vezes se descreve a família Flyte, o palacete onde viviam, as festas, a riqueza, tinha a ver com nostalgia de um passado que ele receava ter-se perdido para sempre (diz logo a seguir que toda esta nobreza se levantou das cinzas e regressou aos palacetes, embora ele, na altura em que escreveu o livro, não pudesse prever tal ressurgimento). A graça é que essa nostalgia do passado (um passado aristocrático do qual quase ninguém no mundo, nem em Inglaterra, faz parte) continua bem presente hoje em dia, sabe-se lá porquê. O que mudou foi o "medium", já que agora as pessoas suspiram por épocas mais benevolentes e esteticamente aprazíveis quando vêem televisão, nomeadamente séries de época como a supra mencionada Downton Abbey. 
E esta nostalgia, este suspirar contente, é aquilo de que eu, não deixando de perceber, discordo. Sem dúvida que esta série está muito bem feita, mas não deixa de ser um apagar completo das contradições, dos conflitos de classe que sempre existiram e continuam a existir, especialmente se há criados e patrões  a viver na mesma casa. E chateia-me um bocadinho que esta visão falsamente benévola do mundo seja tão popular, um mundo já descrito por alguém como "upstairs, downstairs", em que todos sabem o seu lugar e satisfazem-se com isso; um mundo em que o dono do palacete é bonzinho e querido e justo para os seus empregados, fazendo com que nós, a audiência, pense que afinal este modo de vida, pouco distante do feudalismo, era tranquilo, aprazível, aceitável. Faz lembrar a morte de Vilaça n'Os Maias, em que as suas últimas palavras são "saudades ao patrão". Tristes últimas palavras. 
Talvez tudo isto seja inevitável. Como bem explica o "dilema dos Habsburgo", sobre o qual já escrevi não sei bem quando, temos sempre a tendência para relembrar certos momentos do passado  evocando apenas a sua beleza perdida, uma glória que talvez nunca tenha existido, o esplendor na relva. Quando esse passado nem sequer nos pertence, então o esplendor é ainda mais fácil de embelezar e, consequentemente, é também ainda mais fácil sentir saudades do que nunca tivemos. 
E penso que por hoje chega de filosofia de café, excepto para dizer que me ofereceram a edição especial do Brideshead em DVD, com o agradabilíssimo Jeremy Irons, e vou eu e descubro que aquilo é região 1 e só funciona nos States. E depois queixam-se dos downloads, da internet e tal. 

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Coisa que não percebo inteiramente: autocolantes nos carros a anunciar que se transporta um bebé

Não percebo muito bem a utilidade disto, porque aquele condutor que é irresponsável e descerebrado pensa sempre que pode andar à velocidade que quiser que nunca provocará um acidente, de modo que não deve querer saber se há ou não bebés nas outras "viaturas", como diria a GNR. E enfim, se se está no pára-arranca no trânsito e se vê o carro à nossa frente com o autocolante "bebé a bordo" fica-se mais ou menos na mesma - não é do meu interesse ir contra o outro carro, porque ainda por cima se chocar por trás a culpa é automaticamente minha, com ou sem criancinha. E não dá jeito andar a pagar mais seguro. 
No entanto, embora as minhas faculdades mentais não compreendam totalmente a utilidade destes autocolantes, consigo compreender que os pais mais preocupados o escarrapachem nos vidros traseiros das suas "viaturas". O que as minhas faculdades mentais e estéticas condenam, sem que eu consiga controlar, são as variações dos autocolantes "bebé a bordo" - "princesa a bordo"; "pestinha a bordo"; "Tiago a bordo" (o pessoal acha graça anunciar o nome dos filhos ao mundo - porquê?) e quejandos. É quase tão mau como aquele autocolante da menina de chapéu e cabelo comprido que dantes se via muito. Por acaso o autocolante  da menina é de facto péssimo, ao passo que os autocolantes respeitantes a bebés, em boa verdade, até se suportam, mas pronto. 
Conclusão - isto da UGT e CGTP não se entenderem no sentido de uma greve geral num momento destes é assim, tipo... nojentinho. 

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Fala com o povo

Eu adoro as pessoas que estão convencidas de que o "povo" não são elas, é uma espécie de massa quase anónima que partilha entre si os mesmos gostos, pensamentos, ideias, e talvez até roupa e casa. Assim uma espécie de pessoas que passam dificuldades, ganham pouquíssimo ("lá por ele só ganhar 1000 euros não quer dizer que não possa ficar com a custódia da filha, não acha?" Acho, claro que acho), e são quase espécimes de jardim zoológico. Ainda noutro dia tive de ir à casa de banho lá do trabalho e ouvi uma senhora, possivelmente colega, embora eu não a conhecesse, no compartimento ao lado, a dizer que o carro avariou e teve de se deslocar de autocarro, "vi imenso povo, adorei o povo!", e ria sinceramente com a amiga ao telefone. Não estava a contar nenhuma anedota, estava mesmo a falar a sério. Eu também adoro estes espécimes que adoram o povo, eles próprios dotados de grande interesse zoológico e etnográfico, até. 
E uma vez estava a almoçar, em contexto profissional, e a superiora hierárquica decide entabular conversa com as senhoras que serviam as refeições, porque de vez em quando é giro, e por acaso o almoço até era peixe, que normalmente é um factor que os portugueses têm em comum (o gosto por peixe), de modo que falar de peixe é falar do tempo, serve toda e qualquer situação; e assim se começou uma conversa sobre peixe, ai eu gosto deste peixe, não gosta também?, e sabe, uma vez comi não sei onde, com o meu marido, um peixe fresquíssimo, fresquíssimo, que me soube lindamente, porque eu estava cheia de fome, e soube-me tão bem que decidi perguntar ao senhor do restaurante que peixe era aquele, e sabe que peixe era?, sabe que peixe era? - as senhoras do almoço olham a superiora hierárquica esforçando curiosidade - imaginem, era charro! Era charro. Como é que é possível, não é, de facto, quando se está com fome...
Tive tanta vergonha. 

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Devia estar calada

Agora com a crise e as manifestações e esta falta de respeito por todos nós, "o povo", e quem se lixa é sempre o mexilhão e isso, tenho andado a pensar na prostituição, mas não como alternativa para mim, felizmente; é mais na prostituição como fenómeno social. Por acaso, ainda ontem vi um bocadinho do Estado de Graça, aquele programa da RTP, e apareceu um sketch com umas prostitutas a que eu achei piada. O Joaquim Monchique fazia de prostituta mais velha e usava joalheiras, de modo que parecia uma peregrina de Fátima, e eu fiquei a pensar para que é que o tinham caracterizado de peregrina de Fátima, as joalheiras não estavam ali a fazer sentido nenhum,  será que a ideia era fazer de prostituta religiosa?, e só hoje de manhã, ainda intrigada com o mistério das joalheiras, é que finalmente percebi a utilidade que este elemento protector de vestuário pode representar para uma prostituta. De facto, não são só os peregrinos de Fátimas que precisam de joalheiras, vestimenta que apresenta grande polivalência em actividades de índole vária, e eu sou tão parva que não percebi logo. Ri-me imenso, para atenuar. 
Continuando, e agora a sério. A prostituição sempre me fez impressão, como acho que é o caso em qualquer pessoa normal. Ainda me faz mais impressão ouvir pessoas que declaram com grande autoridade que só é prostituta quem quer, ou que "não é um trabalho digno", como recentemente ouvi. Não posso deixar de concordar que não é um trabalho digno, na medida em que eu não gostaria de ter este trabalho, mas ao mesmo tempo não considero que seja um trabalho indigno, ou por outra - as pessoas não se tornam indignas por ter este trabalho. Aliás, nem foi exactamente isto que eu ouvi, foi mais "é um trabalho que não dignifica". Pois. O que eu acho que não dignifica mesmo é ir no Seat Ibiza (ou Mercedes, ou BMW - uma vez vi uma entrevista a um travesti prostituto que dizia que não tinha nenhum cliente que andasse num Fiat Punto. É assim, as pessoas têm os seus gostos a nível de carros e a nível, vá lá, de gostos em geral), dizia, o que não dignifica é ir a um parque à noite - como diz o grande Herman a encarnar Nelo, "vá a um Campo Grande, a uma Cidade Universitária à noite e veja a quantidade de rapazes que se atiram a nós. Se calhar é para assaltar, não sei, que eu pego na pochete e ala, tumba, tumba, tumba, atravesso o parque e não dou conversa a ninguém". 
O que eu queria dizer, na verdade, não é nada daquilo que acabei de escrever. Mais do que dizer, queria reflectir sobre isto de uma pessoa, do alto do seu conforto de classe média, vir anunciar que a prostituição não é digna nem dignifica, ou alguém como eu, aconchegadinha no lar, em frente a um écrã de computador, vir para aqui pontificar sobre trabalhos dignos e indignos e pessoas de Seat Ibiza que vão para parques à noite. É estúpido.
E, por este post ser estúpido, retiro daqui a lição que queria retirar - até passarmos por determinadas situações, o melhor é estarmos calados, que é fácil falar de barriga cheia, como o meu pai está sempre a dizer. E por isso deixo um quadro de Salvator Rosa de que gosto muito, muito, muito, muito, e que sabiamente aconselha: fala melhor do que o silêncio, ou silencia-te.
Posto isto, já falei demais e vou silenciar-me. Acresce que também tenho de ir jantar.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Telefonas ao papá e ele orienta-te

A Lena Dunham, ao que parece, é o sucesso do momento e tem uma série chamada Girls, já de grande popularidade; antes da mesma série escreveu e realizou um filme indie denominado Tiny Furniture. Vi o filme e um episódio da série e não tenho muita coisa a dizer que não argumentos que outros já escreveram - não fiquei convencida porque tanto em filme como em televisão tudo aquilo me parece um relato pouco interessante de miúdos sem grande coisa a dizer. 
Fala-se da Lena Dunham, que tem uma beleza tão pouco convencional e mesmo assim faz imensas cenas de sexo, e de como os encontros sexuais são esquisitos, frios, sem aquela magia do cinema a que estamos habituados, e de como o não encontrar emprego e depender dos pais e tentar encontrar um caminho na vida são temas tão realistas e tão bem desenvolvidos, talvez porque aquilo que escreve tenha um veio muito autobiográfico.
Eu achei que não, que não eram temas bem desenvolvidos. Esta Lena não tem culpa de ter nascido num meio cosmopolita privilegiado, com dinheiro, com amigos artísticos e tal. Não só não tem culpa, como é de louvar que uma pessoa com, aparentamente, tão poucas preocupações tenha tido o empreendedorismo e o talento de transformar a sua vidinha em produtos mediáticos que agora lhe dão dinheiro (imagino que já não viva com os pais). Mas a verdade é que não consegue dizer grande coisa que se aproveite, nem ela nem as personagens que ela inventa, ou em quem se baseia. 
Não digo que a única ficção sólida e digna de elogio seja o "kitchen sink drama" à Ken Loach ou neo-realismo italiano ou coisa que o valha. Apareceu por aí um filmito há uns tempos, "Fish Tank", sobre a adolescente alienada e pobrezinha dos bairros sociais ingleses, que parecia muito decente mas que também não era nada de especial. 
Aquilo a que quero chegar, penso, é que um filme, ou uma série, ou um livro que valha o nosso esforço e atenção tem de ter alguma honestidade que compense a sua eventual superficialidade ou vacuidade. E os Pulp cantam uma coisa muito importante e que explica isto - "you'll never live like common people, because when you're in bed at night, watching roaches climb the wall, if you call your dad, he can stop it all". E aquilo que os Pulp dizem é absolutamente verdadeiro e eloquente, quanto a mim. 

PS - o poster é um ataque fácil, eu sei, mas achei tanta piada que tive de postar aqui. E também deixo a cançãozinha dos Pulp porque gosto tanto dela que não resisto. Bem haja.

Livros fáceis e difíceis

Meu Deus, dois meses e tal sem escrever. Ah, vida, erros meus, amor ardente. São estes os culpados, já dizia Camões.
Bom, passando ao que interessa. O Guardian tem uma lista daqueles que são considerados os livros mais difíceis de ler, com base nos critérios que a seguir se enunciam: "their length, or their syntax and style, or their structural and generic strangeness, or their odd experimental techniques, or their abstraction". 
De modo que, na mesma lista, figuram obras como A Fenomenologia do Espírito, de Hegel, e To the Lighthouse, da Virginia Woolf, entre outros. Curiosamente, o Ulysses não consta, embora Finnegan's Wake lá esteja. Nunca li nem um nem outro, mas não duvido que sejam dificílimos. 
E porém. Isto de um livro ser "fácil" ou "difícil" é uma coisa estranha e ambígua, especialmente se atentarmos apenas a critérios formais, como o são essas entidades amaldiçoadas tipo "sintaxe", "estilo", "técnicas". A abstracção também é traiçoeira. Um dos livros mais fáceis (e piores) que li, The Awakening, da Kate Chopin, tinha alguma abstracção. A cena final até é digna de ser descrita como condignamente abstracta. Pelo menos simbólica, vá. 
A minha ideia principal é que o livro normalmente apelidado de "fácil" é enganoso, porque na verdade não é fácil, é difícil. Ler Paulo Coelho é difícil porque é seca. Conclusão: os livros de Paulo Coelho são difíceis. Também li uma vez um livro da Rita Ferro e considero que foi dos mais difíceis que li, porque era tão chato que não consegui acabar. Resultado: os livros de Rita Ferro são difíceis. 
E venham agora dizer que os meus exemplos são tão lugares-comuns que até faz impressão, olha esta parva a dizer mal de Paulo Coelho e Rita Ferro e Nicholas Sparks, que exemplos tão estafados, só lhe falta incluir a Margarida Pinto Rebelo. Desta, não li os livros, mas li uma crónica(zeca) que andou por aí a circular sobre  as "gordas" e devo dizer que foi muito difícil de ler. Foi penoso, digamos. Mas dou outros exemplos - sobre um dos livros mencionados na lista, To the Lighthouse, posso comentar porque li, e poderei talvez dizer que é difícil, mas não necessariamente pela sintaxe, ou abstracção, ou experimentação técnica. Achei difícil porque não gostei muito, penso que foi mais isso. A nível técnico, não considero que haja algum leitor que leia este livro e seja incapaz de perceber pelo menos alguma coisinha do que lá se passa - não desmerece em nada a obra, até a engrandece, penso; a conclusão a que quero chegar é que um livro não é fácil ou difícil pelos seus aspectos formais, tirando algumas excepções como o Som e a Fúria - um livro que dá vontade de ler mas que, pelo menos até chegarmos mais ou menos a metade, cria resistência por ser difícil. O mesmo se poderá dizer de Waste Land, propositadamente escrito para ser "difícil", e de certa forma é - mas acaba por não ser, se insistirmos e conseguirmos decifrar o código.
E de livros fáceis e propósito de códigos, o que podemos dizer? O Código Da Vinci não me custou a ler. Até li bastante bem e achei divertido (exceptuando o final, que é muito preguiçoso e estúpido). O homem (Dan Brown) pode ser um mentiroso ganancioso, mas o livro lê-se bem. Este sim, é um livro fácil.
Os livros da PD James, que eu adoro, são fáceis de ler, e não é por isso que são maus. À partida, qualquer bom livro devia ser igualmente um livro fácil porque atrai o leitor - e daí eu não concordar necessariamente com os critérios formais que definem livros fáceis e difíceis.
E foi isto que eu consegui arranjar para, ponto um, voltar a escrever, ponto dois, distrair-me do massacre que ocorre no mundo e no país, que me deixa tolhida e incapaz de fazer coisas. Como quero voltar a fazer coisas, voltei a escrever aqui.
Obrigada e boa continuação. Boa noite e boa sorte. Até a uma próxima. 

segunda-feira, 2 de julho de 2012

O Drácula é um ser tradicional

O Câmara Clara de ontem foi o meu preferido até hoje, a par daquele em que a Alice Vieira foi entrevistada.
O convidado do programa de ontem foi, então, Francisco Vaz da Silva, que tem investigado profundamente contos orais tradicionais e que organizou recentemente um colóquio sobre os Irmãos Grimm. Foi um programa delicioso e assustador, em que se falou da violência comum a este tipo de contos que, curiosamente, os Grimm aliviaram bastante. Não sendo originalmente contos para crianças, estas histórias tradicionais foram "depuradas" (como se disse até à exaustão no programa) para que se tornassem matéria infantil mais própria. Se ainda hoje estes contos nos parecem tão violentos, o que seriam na sua forma original - uma verdadeira crueza brutal, ao que parece, repleta de relatos de canibalismo, abusos, mutilações. 
A história do Capucinho Vermelho, por exemplo, conta com várias versões, uma delas rezando que, no momento em que a Capuchinho chega a casa da Avó, já o Lobo comeu parte desta última, armazenou o sangue numa garrafa de vinho e reservou suculentos nacos da senhora para conservar na salgadeira. Diz o Lobo ao Capuchinho, com todo o desplante, "vem descansar para a cama comigo, mas antes prova este vinho revigorante e sacia-te com estes suculentos nacos de carne", sugestão que Capuchinho aceita de bom grado antes de ir para o descanso, também ele bastante carnal, com o Lobo, e o resto a gente já imagina (ou não). Este canibalismo descarado, contado de uma forma tão normal, faz lembrar uma outra personagem que conhecemos bem e que também tinha uma mania, canibalesca e um bocado bruta, de corromper as suas vítimas ao fazê-las beber o seu sangue. Essa personagem é o Drácula - a forma de vitimizar as presas não passava só por beber o seu sangue, mas também por fazê-las beber o sangue dele próprio, Drácula, consumando assim a corrupção total da vítima. Ao beber o sangue de Drácula, o incauto inicia um processo de transformação vampiresco, e se insistir na beberagem, acaba mesmo por se tornar  vampiro e nada a fazer. É quase o que acontece à personagem de Mina (na obra de Bram Stoker, diga-se), que Drácula seduz e a quem dá a beber o seu sangue milenar. Lixado, este Drácula. Rancorosozinho.
Bom. Numa outra versão de Capuchinho Vermelho, a menina transforma-se em loba para, de igual para igual, lutar com o Lobo e matá-lo, dispensando a figura masculina do Lenhador. O mesmo se passa com Drácula - ao transformar-se em seu igual, a vítima deixa de ser vítima e reúne a força e o conhecimento necessários para o destruir. Assim o confirma Mina que, depois de ter bebido o sangue do vampiro, mantém com ele uma espécie de laço espiritual, telepático, etc., conseguindo adivinhar-lhe o paradeiro, os desejos, as necessidades, e tornando-se fundamental para que Drácula seja localizado mesmo a tempo, estaca no coração ao nascer do sol, cortar a cabeça e está feito. 
De onde se conclui que isto anda tudo ligado e que as histórias que povoam a nossa cabeça são, no fundo no fundo, as mesmas, o que também quer dizer que a nossa cabeça é, no fundo no fundo, a mesma. Faz lembrar a carruagem que leva a Cinderela ao baile - consegue ser ofuscante na sua sofisticação e brilho, mas não deixa de ser uma abóbora, que é abóbora desde o princípio dos tempos e abóbora permanecerá até ao fim dos tempos. 
Fim.

4 euros à hora

Bom. Eu ia escrever um post sobre um determinado assunto, mas li agora uma notícia no Público que anuncia que os enfermeiros deste país estão a ser contratados por 4 euros à hora.
4 euros à hora.
4 euros à hora. 
4 euros à hora.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Coisa que não compreendo: as pessoas que, mal chega o calor, vão logo para a praia

Não compreendo, mas não é que não apoie, muito pelo contrário - eu gostava de ser como estas pessoas, esta gente que, no primeiro dia de sol e calor, já está prontíssima para ir para a praia e vai mesmo, bastando um dia para adquirirem um bronze resplandecente, como aquele que eu nunca tive nem nunca terei. Aliás, o meu médico já me admoestou, devido a todos os escaldões que apanhei, dizendo-me para desistir, que eu era pessoa sem melanina e que vivesse com isso. Não é verdade, é claro que tenho melanina, mas pronto, tenho uma melanina que é fraquita.
Continuando. Eu, para ir à praia, tenho primeiro de me preparar psicologicamente. Ver se o biquini do ano passado ainda está decente, porque se não estiver tenho de ir comprar outro, e demoro sempre imenso tempo a escolher um biquini que não seja ridículo. Detesto comprar bikinis ou sequer pensar em bikinis, detesto. Depois, tenho de me lembrar onde pus as toalhas de praia do ano passado, o saco, os chinelos. A seguir, tenho de ir comprar um bom protector solar, porque diz que não se devem usar os de anos passados, que perdem propriedades. Segue-se a preocupação com o cabelo, se vou à praia não vale a pena ir ao cabeleireiro porque o cabelo estraga-se todo de qualquer forma, mas a verdade é que está mesmo a precisar de um jeitinho, e portanto talvez seja melhor ir. Depois é procurar roupa de praia, uma tshirt, uns calções, e escusado será dizer que nunca tenho nada disso no armário.
Se consigo chegar à praia depois de todas estas tarefas, há que escolher cuidadosamente a hora do dia, se não quero sair de lá que nem lagosta escaldada, semelhante aos ingleses de tronco nu nas esplanadas, ou até pior. Depois, arranjar um sítio com sombra, e isto partindo do princípio que as outras tarefas a que uma mulher tem de se dedicar, tipo livrar-se do pêlo esteticamente feio, já foram tratadas. 
Dir-me-ão, como já me disseram antes: 'és mesmo parva, pá, queres ir à praia vais e pronto!'. Sim, é verdade que não consigo ir para a praia a correr porque a minha cabeça está cheia de censores mentais, mas também não consigo dar um mergulhito a saber que não percorri todas as etapas que deveria ter percorrido. A verdade é que não gosto assim tanto de praia, e que até a prefiro no Inverno, o areal deserto, o mar desgovernado, uns pontinhos escuros aqui e ali que marcam a silhueta de alguns corajosos surfistas, ninguém à volta a chatear. 
Mas isto não impede que não inveje profundamente quem está prontíssimo para ir para a praia em cinco minutos, tudo no lugar, e regressa depois com aquele tom dourado e saudável de um bom raio de sol. Não sei como é que estas pessoas fazem. Começam a tratar das coisas com antecedência porque o boletim metereológico lhes diz que dali a uns dias vai estar sol? Ou andam o ano inteiro em dietas, em depilações, em isto e aquilo para estarem perfeitas quando finalmente o primeiro dia de Verão se anunciar? Não sei. Sei que eu não sou assim porque, com alguma pena, preciso de preparação psicológica para tudo. 

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Vamos ser amigas

Ai, meu Deus. Eu ando muito entristecida, a sério que ando. De coração partido. E porquê? Ao contrário do que seria normal, não se deve ao Corto Maltese (felizmente), mas antes às pessoas do meu próprio sexo, às mulheres em geral.
E a pergunta repete-se: porquê? Porque não compreendo esta necessidade ininteligível que as mulheres têm (ou, pelo menos, algumas têm) de se digladiarem até à morte em vez de, como dizia Germaine Greer, que também pode não ser grande exemplo mas às vezes dá jeito, se unirem num verdadeiro espírito de classe, tipo o proletariado ou os mineiros ou assim. Se uma mulher faz plásticas - velha, gaiteira, feia. Se tem filhos e deixa de trabalhar - preguiçosa, comodista, atrasada. Se tem filhos e trabalha - desgraçada, cheia de filhos e a ter de os deixar no horror indesculpável que é a creche. Se não tem filhos - egoísta, estúpida, incompleta. Se é casada - podia ter arranjado melhor. Se não é casada - solteirona, desesperada, gorda. Se tem dinheiro - dondoca. Se não tem dinheiro - vai acabar na má vida, Intendente ou pior. Se é tagarela - galinha. Se não é tagarela - arrogante, antipática. 
Estes exageros poderiam  continuar, mas não é preciso. Já todos os ouvimos, de uma forma ou de outra, e proferidos à descarada pela boca de certas mulheres.
Na verdade, a minha motivação para escrever este post é este artigo que li, daqui resultando que tenho de parar de ler jornais - essa cidadã exemplar que é a Cherie Blair (e este comentário em nada se relaciona com o marido da senhora, já que a mesma não precisa do marido que tem para ser muitíssimo exemplar, dada as histórias em que se enredou), continuando, a Cherie Blair acha que as mulheres que vão para casa e deixam de trabalhar dão muito mau exemplo à sociedade. Eu, em grande ingenuidade, pensei que o artigo arrastaria um sem-número de comentários a descompor a dita Cherie, mas não - ah, pois é, que vergonha, depender do marido é um atraso de vida, é medieval, é quase prostituição e assim e assado. 
Chocante. Tudo isto é chocante porque, se hoje em dia se fala tanto em respeitar estilos de vida e opções alternativas, não deveria existir tanto alarido se alguém, homem ou mulher, decide ir para casa, tratar dos filhos e viver como bem entende, independentemente de depender do cônjuge ou de um qualquer patrão. Este tipo de calinadas, ainda por cima proferidas por alguém influente como infelizmente é a Cherie Blair, parecem-me muito perigosas. E parecem-me perigosas porque, se o feminismo lutou por alguma coisa e andou a queimar soutiens, foi por licenças de maternidade pagas,  o direito a manter o emprego mesmo quando se tem filhos, o direito a ter um emprego (não a obrigação) e a possibilidade de finalmente sair do jugo da família e do marido. Esse jugo não tem nada a ver com ficar em casa com os filhos não por obrigação, mas por opção, assim como o feminismo nada tem a ver, quanto a mim, com ser forçada a trabalhar num emprego da treta, chegar a casa e ainda ter de fazer o jantar, passar roupa a ferro e enfim, viver duas vezes escrava, duas vezes proletária. Quando se criticam mulheres que preferem ficar em casa e se anuncia a obrigação de toda a gente trabalhar, ainda por cima de forma leviana, abre-se o precedente não para uma escolha livre e informada, mas sim para, mais tarde ou mais cedo, o atropelamento de certos direitos conquistados à custa de muitos sacrifícios ('se não precisa de ficar em casa a tratar dos filhos, também não precisa de uma licença de maternidade tão longa - pague-a você', por exemplo. O 'você', aqui, é propositado). 
A verdadeira liberdade é poder escolher em consciência, sem ter de aturar juízos de valor deturpados, moralizadores. Sim, porque é tão moralizador e conservadorzinho criticar uma mulher por ir trabalhar como criticar quem escolhe ficar em casa. São opções. 
E, no interesse da imparcialidade, devo declarar que eu não estou em casa, mas que alegremente irei para casa no dia em que considerar que esta é a melhor opção, e nem olho para trás. 
Tenho um emprego e trabalho, e desejo apenas que todas as mulheres que querem ter um emprego o consigam encontrar - um bom emprego, onde sejam respeitadas e não tenham receio de ser prejudicadas por terem, ou quererem ter, filhos. E também desejo que aquelas mulheres que escolhem ficar em casa, porque para elas é a opção mais certa, sejam respeitadas e reconhecidas no trabalho que fazem (tratar de uma casa e de filhos é trabalho, e é difícil).
De modo que o meu desejo em geral é: mulheres de todo o mundo, uni-vos. 

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Dois temazitos que andei a evitar, mas que agora discuto e não volto a falar disto. Bem haja pela atençãozinha.

Bom. Tenho evitado estes assuntos, mas hoje vou mesmo falar deles, porque há certas opiniões que me perturbam.
O primeiro tema é a amamentação. Esta capa da Time gera converseta, polémica, ai que nojo, dizem uns, ai que formidável, dizem outros. É espúrio defender tanto uma coisa como outra. A questão da amamentação, a haver sequer questão, é para ser resolvida pela mãe, que se quiser (nem sequer é se puder - se quiser) amamenta; se não quiser, não amamenta. A não ser que haja um problema de saúde grave que precise de intervenção médica, não me parece que sequer os médicos possam tomar esta decisão. A mãe informa-se, pesa vantagens e desvantagens e, acima de tudo de acordo com a sua sensibilidade, decide.
É evidente que hoje em dia qualquer pai e mãe são bombardeados com a longa lista de benefícios que a amamentação produz no bebé. Óptimo. Mas o âmago da questão é sempre o mesmo - se a mãe não quiser, porque não pode ou porque pura e simplesmente não lhe apetece, não amamenta, ponto final. Sabemos de muita gente que nunca foi amamentada e que hoje em dia são indivíduos vigorosos, inteligentes, nem uma constipação apanham, portanto não há que recear.
O acto de amamentar, ou não, parece-me simples de resolver, e por isso a verborreia associada a este tema perturba-me um tanto ou quanto. Perturbam-me as pessoas que defendem que todas as mulheres devem amamentar, como me perturbam ainda mais as pessoas que se incomodam muito ao ver mães a amamentar em locais públicos. Vivemos em sociedade e, apesar de todos os pós modernos, continuamos a ser mamíferos. Aprendam a viver com isso.
O segundo tema é a questiúncula (porque me parece uma questiúncula) acerca de ter ou não ter filhos. Agora vêm-se por aí uns artigos, alguns com mais sustentação intelectual, outros um chorrilho de disparates quase chocante, sobre as pobres criancinhas e se estas devem ou não vir ao mundo. Sim, a população crescente do planeta é um problema, os recursos são limitados, e há que pensar nestas coisas. Mas, na ordem natural das coisas, a reprodução é necessária à espécie humana - também é um facto. Deste modo, enquanto uns quiserem e tiverem filhos, sendo contrabalançados pelas pessoas que não querem nem têm, está tudo bem. Quem quer tem, quem não quer não tem. Porém, e da mesma forma que me parece injusto criticar quem quer que seja por não ter filhos (principalmente mulheres, que se anunciam que não querem ser mães são quase apunhaladas pelo olhar de estranheza dos outros), também me parece um tanto ou quanto grotesco criticar quem quer ter. Estamos a falar de bebés, de crianças, seres humanos com tanto, ou mais, direito ao mundo que os adultos. Mais uma vez, esquecer os pós modernos por um tempinho e voltar a certas regras básicas da natureza - certas pessoas têm filhos, da mesma forma que certos animais têm crias. Ponto.
Quem não quer ter filhos, seja por que razão for (é verdade que as crianças conseguem ser uma grande seca; percebo perfeitamente quem não os quiser aturar), tudo bem também. Presta o seu serviço à sociedade ao evitar ser um mau pai, ao passo que quem tem filhos presta serviço ao ser boa mãe e bom pai (maus pais e más mães não prestam serviço nenhum, a meu ver). 
E assim é. Cessem do Grego e do Troiano, que estas questões estão resolvidas.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Coisa que não compreendo: "não tenho tempo"

Sei que por vezes é efectivamente verdade, mas o facto é que esta desculpa do "não ter tempo" soa apenas a isso mesmo, a desculpa. E daquelas muito esfarrapadas.
Considero estranho que, subitamente, as pessoas deixem de ter tempo para ler, ou sair um bocadinho, ou ir a uma exposição ou uma coisa qualquer assim que as faça descontrair. A gente pergunta, "ah, já viste o filme tal", e a resposta é quase sempre "não, ainda não tive tempo", ou pior, "não, nunca tenho tempo". E depois argumentam com o trabalho ou com os pobres dos filhos que, já percebi, são sempre responsáveis por todos os enfados, cargos e falta de tempo dos pais. "Desde que os meus filhos nasceram que eu não leio um livro como deve ser" - estou sempre a ouvir esta frase tenebrosa. "Não tenho tempo para ler o jornal por causa dos putos", e etc. e etc.
Além de ser uma injustiça para com os ditos putos, não percebo porque é que as pessoas pura e simplesmente não admitem a causa natural das coisas, que é não a falta de tempo, mas sim a falta de vontade. Pronto, admitam que preferem passar o pouco tempo livre (não duvido que seja pouco) que têm no Óbidos Vila Natal e/ou Feira do Chocolate, ou de pijama em casa, ou a dormir, ou envolvidos em qualquer outra actividade insuportavelmente entediante. Ninguém tem nada a ver com isso, e apesar de eu ter acabado agora mesmo de emitir um juízo de valor, não o devia ter feito porque, como igualmente afirmei, não tenho nada a ver com as escolhas de cada um. Cada um é como cada qual.
Mas não é a falta de tempo que nos estraga a vida, é mesmo a falta de vontade. Acho eu.

Cenas que ficarão comigo para sempre #3


E esta, para complementar:


Cenas que ficarão comigo para sempre #2

Às vezes penso que o Kurosawa devia ter realizado o Exorcista. Fantasmas e espíritos é com ele.

Cenas que ficarão comigo para sempre #1

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Post essencial com imensa profundidade





É que gostava imenso que me fosse ofertado este presentinho. Assim um miminho de Verão.
Qual saloiada da Birkin, qual quê.

Quando se está em crise é quando vêm mais disparates à cabeça.

Coisa que não compreendo (nem quero): despedidas de solteira

Em boa, e toda, a verdade, eu só fui a uma despedida de solteira. Vi fotografias de dezenas de outras e nunca me entusiasmaram.
As despedidas de solteira que eu conheço são sempre a mesma coisa, ou eram (há algum tempo que os meus amigos se deixaram de casar, agora ou divorciam-se ou têm filhos), continuando, as despedidas de solteira são sempre a mesma coisa. Um jantar não sem onde com presentinhos atiçados em forma fálica, e seguidamente uma ida a um bar ranhosíssimo não sei onde com homens depilados e oleados que dançam e se esfregam na noiva. E mulherio aos gritos.
Eu, como mulher, tenho todo o respeito pelas outras mulheres, ainda que estas procedam de uma forma que, digamos que, a gente tem alguma dificuldade em respeitar. Mas respeita à mesma. Se há mulheres que acham graça a um homem depilado (enfatizo, reitero e repito: depilado) em certos propósitos, enquanto as amigas batem palmas e gritam muito, ao som de uma música daquelas inanes, tudo bem. 
Eu confesso uma coisa - se estes homens depilados fossem o Joaquin Cortés em novo, obviamente não depilado, aí sim, eu achava graça e até participava, acho eu. Ou teria participado. Mas dado o modus operandi que é, não percebo bem onde está a graça. Um homem bem apessoado é um homem bem apessoado, e eu gosto de boa estética como qualquer outra pessoa, mas aquela chungaria toda é demais para mim. 
No entanto, o que não percebo fundamentalmente é o frenesim em querer comemorar a vida de solteira como se se estivesse a perder o melhor dos mundos possíveis. Se a pessoa gosta assim tanto de ser solteira, talvez seja melhor continuar nesse belo estado civil e ignorar o casamento. 
Mas enfim, sinceramente tanto me faz. Na verdade, não tinha mais nada para escrever e lembrei-me disto. Obrigada pela atenção. 

terça-feira, 29 de maio de 2012

Vermelho, e não encarnado

Ando em busca de um baton vermelhão, daqueles mesmo vermelho, à starlet. Não é um baton encarnado - é mesmo vermelho.
Experimentei uma vez um da MAC, a senhora garantiu-me que aquilo era vermelhão, vermelhão, mas quando me aplicou nos lábios para eu ver, não passava de um rosazito pálido. Não é isso que eu quero. Também já andei a ver nas perfumarias, mas nunca encontro o vermelho que eu quero. Ou é escuro demais, ou é claro demais, ou enfim, não é o vermelho à starlet. É encarnado, e eu não quero encarnado, quero vermelho.
Pessoal que ainda lê isto, se houver recomendações, caixa de comentários em podendo. A girência agradece.
É que o vermelho, sendo a cor que é, é tão estranhamente esquiva.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Javardo

Estou com muita, muita vontade de escrever, embora não tenha muito para relatar.
Acho que o que me faz escrever aqui e agora é, talvez, alguma necessidade de desabafo. Acabo de ler um texto num qualquer blog que me fez imensa impressão, porque o considerei cruel, arrogante, insensível. Resvalando para o brejeiro, a palavra que me ocorre é mesmo "javardo". Era um texto javardo, que se achava dono da verdade. E foi isso que me fez mais impressão, julgo. Esta ânsia de anunciar ao mundo que o que ali se escrevia era, assertivamente, peremptoriamente, a verdade.
Os blogs que mais detesto, e que leio por motivos de sado-masoquismo que a minha alma tipicamente portuguesa não consegue controlar, são sempre assim, escritos por pessoas que se acham donas da verdade. E sim, um blogue serve para isso, para o seu autor dizer a sua verdade, mas, bolas, há maneiras de dizer as coisas. Seguramente que nem os outros são tão estúpidos nem nós somos tão inteligentes. 
Talvez por isso um dos meus blogs preferidos seja o do Tolan, que diz sempre tudo o que acha de uma forma tão graciosamente engraçada. E sensível, ele consegue ser sensível, o que também quer dizer que não escreve de uma forma agressivamente egocêntrica. Mas eu gosto do Tolan como pessoa, e isso também ajuda.
Um blogue é apenas um blogue e não vale grande coisa. Não há razão para me irritar ou para entristecer com qualquer um deles. Mas entristece-me, porque acho que isto também se passa na vida real. As pessoas acham mesmo que estão sempre certas, e vivem para se ouvirem a si próprias. É raríssimo encontrarmos alguém que genuinamente compreende que há outros à sua volta. Eu própria não devo compreender bem.
E agora tenho de parar porque, diabos me levem, às vezes escrevo cada coisa que parece uma coluna de auto-ajuda da revista Maria ou pior. E isto também me entristece. 
Suspiro. Uma boa noite, é o que desejo e, desta vez, genuinamente. 

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Eu vi um bocadinho dos Globos de Ouro, aqueles da SIC. Estava à espera que começasse a Modern Family. E no excerto que vi, assisti a um amargurado Luís Miguel Cintra anunciar que a Varanda seria o último espectáculo da Cornucópia que, por falta de verbas, corre o risco de se tornar teatro amador.
Fiquei consternada com isto. Pensei que se discutiria esta notícia, que se falaria do trabalho importante da Cornucópia e de Luís Miguel Cintra no teatro português e coisas que tais. Se tal aconteceu, deve ter sido apenas um sussurro, e não a barulheira que seria merecida.
O Público, de facto, falou nos Globos de Ouro - o melhor da passadeira vermelha. 
É o que dá viver num país pobre. Quanto mais pobre é, mais manias à Hollywood quer ter, para disfarçar a vergonha. 

terça-feira, 22 de maio de 2012

Casaquinho vintage muito esquecível

Às vezes penso no que é preciso ser ou fazer para ser daquelas pessoas inesquecíveis. Aquelas de quem ninguém se esquece. Eu não sou nada assim, eu sou esquecível. Sou tal e qual o Kevin Spacey no American Beauty, quando é apresentado pela segunda vez a um parvo de um convencido de um agente imobiliário, que não se lembra dele. E diz o Kevin Spacey, "ah, não se lembra de mim? Deixe estar, se eu fosse a si também não me lembrava de mim". Observação arguta, sardónica e muito realista. E poderíamos continuar nos adjectivos, mas agora não apetece.
Bom. Lembro-me de uma vez, há muitos anos, ainda eu era uma miúda livre que saía à noite, e de ter precisamente saído com um amigo, que ainda hoje é meu amigo, embora já não saiamos. Eu aburguesei-me, mas isso é outra conversa. Continuando, esse meu amigo apresentou-me a um outro amigo. Era alto, de brinco na orelha, cabelo encaracolado, muito simpático. Lembro-me de pensar que queria mesmo que este indivíduo ficasse com tão boa impressão minha como eu imediatamente tive dele, mas acho que o desiderato, lamentavelmente, não se concretizou. Não que eu não tivesse uma conversa interessantezinha, porque acho que até tive (quer dizer, era composta). Não porque estivesse mal vestida ou mal arranjada, porque até acho que nem estava - além de ter metade das protuberâncias rubenescas dos dias de hoje, lembro-me perfeitamente que estava a usar um casaco azul vintage, giro, giro. Mas não se deu o clique, não deu. Por mais que me esforçasse, havia ali qualquer coisa que não resultava, uma conversa mole que andava em círculos, e eu frustradíssima, e quanto mais frustrada pior a converseta me saía. Não houve nenhum escândalo nem vergonha nenhuma, apenas uma coisa derretida, sem piada, que ainda é pior. Ao menos, que a pessoa se possa entreter com uma boa escandaleira que a faça rir passado uns anos. Nem isso.
E isto é um exemplo que eu tomo como paradigmático. É como diz o Bukowski, não vale a pena tentar (a Wikipedia diz que ele disse isto). Olha, paciência. Eu, se fosse eu, também não me lembrava de mim. 
Mas o casaquinho vintage, esse sim, vale a pena recordar. Por onde será que ele anda?

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O Tony em Lisboa

No sentido de escrever um post um bocadinho mais alegre, vinha por este meio dizer que o programa do Tony Bourdain sobre Lisboa já se encontra disponível por essa internet fora. Eu vi ontem, e é evidente que gostei considerando que o tema era Lisboa. Acho sempre que o Tony acaba por arranjar coisas interessantes para dizer nos programas dele, e em Lisboa não foi excepção, principalmente quando foi a uma casa de fados passar tempo à conversa com Lobo Antunes. Só por isso, valeu tudo o que ele deixou de fora.
Tentem encontrar, que o programa está giro. Quem não gostar do Tony, eh pá, paciência. Como se diz na nossa magnífica língua, deviam de gostar.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Esta é a ditosa pátria, minha amada

Vivo perto de um Continente e de um Pingo Doce.
Os parques de estacionamento de ambos estão a abarrotar desde as nove da manhã.

Feliz 1º de Maio.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

"Respeita!"

Detesto quando me dizem "respeita". Respeitar o quê? Opiniões que não têm nada que ser respeitadas? Se eu tiver a desgraça de conhecer um neo-nazi, tenho de respeitar a opinião dele? Ou tenho apenas de respeitar, forçosamente, o ser humano que ele (lamentavelmente) é?
A minha querida D., que é um baluarte de sensatez e meiguice, está sempre a dizer-me isso. "Ai, que horror, respeita!". Por acaso, a última vez que me disse isto, estávamos a tomar café num estabelecimento com televisão ligada na VH1, e começou a passar aquela música do Time of My Life, do famigerado Dirty Dancing,  sobre o qual, acaso dos acasos, já escrevi aqui e já anunciei que não é película que me entusiasme.
Acontece que a D. adora este filme, da mesma forma que eu gosto de outras bodegas que me fazem lembrar a juventude. Se eu a deixasse, a D. tinha começado a dançar logo ali no meio do café, e para a próxima até a incentivo, porque a D. dança bem como tudo. Mas, naquele preciso momento, não o fiz, e comecei a discursar, "ó D., como é que tu gostas deste filme, olha para este velho que está a cantar a canção, explica-me quem é este velho, nem o vídeo da canção se aproveita, olha para a rapariga a passar férias no Inatel" e blá blá blá, até que a D., fartíssima de me ouvir, exclamou, exasperada, "olha, respeita!".
Respeita. Respeita. O Dirty Dancing? Lamento, mas não.
Eu tento respeitar toda a gente. Mas não faço esforço nenhum para respeitar opiniões que me parecem obtusas (já não estou a falar do Dirty Dancing, bem entendido). Quando leio os comentários do Público (sei que tenho de deixar de o fazer) a aplaudir decisões como cortar  o orçamento para a Cultura, porque "não temos dinheiro", ou a insultar os Gregos, que têm a culpa de tudo o que está a acontecer à Europa, ou mais recentemente, quando ouvi na rádio um senhor emigrante, português, que tinha um cafezinho, ia receber a visita da Marine Le Pen (!) e estava orgulhosíssimo porque ela não estava contra ele, emigrante trabalhador, estava, sim, contra todos os emigrantes preguiçosos, e contra eles também se indignava o tal senhor, dizia, quando sou confrontada com tudo isto, tenho de "respeitar"?
Pois, não me parece. É a minha opinião. Respeitem. 

Nota para fazer justiça à minha querida D. - a música até é gira. 

25 de Abril

Que nunca nos tirem este feriado. Se nos quiserem tirar, que consigamos ir para a rua, como a poesia.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Eu queixo-me de insónias

Já percebi que a melhor maneira de a pessoa aprender uma data de História (literalmente aprender "uma data" de História, ahah! Não resisti à piadola foleira) é ler sobre crime cometido numa determinada época. É uma premissa que, não deixando de ser premissa, me parece muito verdadeira.
 Eu aprendi imenso sobre a história de Londres, uma cidade de que gosto muito e que conheço relativamente bem, devido a tudo o que li sobre o Jack o Estripador e, mais recentemente, com este livro da PD James que ainda estou a ler, The Maul and the Pear Tree. Pode ser mórbido, e é, mas é muito interessante. No entanto, e devido à natureza do crime cometido, tenho de admitir que me dá muita volta ao pobre estômago.
Ultimamente tenho tido pesadelos. É desagradável.
A Amazon uk diz:

In 1811 John Williams was buried with a stake in his heart. Was he the notorious East End killer or his eighth victim in the bizarre and shocking Ratcliffe Highway Murders? In this vivid and gripping reconstruction P. D. James and T. A. Critchley draw on public records, newspaper clippings and hitherto unpublished sources, expertly sifting the evidence to shed new light on this infamous Wapping mystery. '

Coisa que (não) compreendo: as várias designações para café nas pastelarias portuguesas, mormente "abatanado"

É uma coisa que não compreendo, mas que gostava de compreender. Não compreendo devido à minha ignorância. Há tanta forma de pedir e servir café neste país que não evito uma imensa fascinação por esse mundo ignoto, pelo menos para mim. 
Abatanado. Já me explicaram o que é, mas eu esqueço-me sempre. A minha mente rejeita este conceito, não sei porquê. Acho que nunca hei-de saber o que isto é, o que lamentavelmente também significa que nunca vou poder pedir o tal "abatanado" num café. Também há o problema de a palavra "abatanado" me fazer rir. Parece que estou a contar uma anedota ao senhor do café em vez de lhe estar a pedir qualquer coisa. Enfim, continuando. 
Meia de leite e suas variedades.
Meia de leite directa. 
Meia de leite de máquina. 
Meia de leite clara. 
Meia de leite escura.
Carioca. 
Bica.
O singelo "café". 
Café curto.
Italiana (acho que é o mesmo que café curto).
Café pingado.
Galão. 
Galão escuro.
O meu preferido, e este desconheço de todo o que seja, é o café "sem princípio". Desconheço, mas parece-me uma possibilidade maravilhosa e sofisticadíssima poder ir a um cafézinho (estabelecimento, entenda-se) e pedir um café "sem princípio".
É por isso, pela possibilidade misteriosa de o abatanado e do café sem princípio, que eu ainda gosto de viver parcialmente em Portugal, apesar de tudo o resto. 
Um país abatanado é um país com futuro.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

A basezinha

A BBC está a transmitir um programa muito interessante sobre os espiões da actualidade no Reino Unido. Dão conta das dificuldades da profissão mas também da forma como, muitas vezes, a espionagem comete erros fatais e desrespeita a privacidade, e até a vida, de pessoas que são perfeitamente inocentes (mais ou menos como, nos aeroportos, escolher um óbvio muçulmano para revistar a bagagem "ao acaso", ou, há umas décadas, irlandeses. Por acaso, tenho uma amiga de Belfast que me disse que isso lhe estava sempre a acontecer, mas cá para mim o facto de ela ser giríssima, alta, olhos verdes e cabelo preto - perdão: "asa de corvo", para dar qualidade literária ao verbo - contribuía mais para o apetite das alfândegas do que outra coisa. Mas continuando).
Ora, é evidente que um programa sobre espionagem realizado no Reino Unido tinha de, mais tarde ou mais cedo, mencionar, ainda que por alto, o IRA. Ah e tal, o IRA representa ainda um problema muito grande "no que concerne" ao terrorismo, com tendência para fazer explodir coisas, disse há pouco um espião (assim todo tapado, não se vê a cara e a voz é de um actor). Justiça seja feita à BBC, que se preocupou mais em perceber se estes espiões eram espúrios nas violações de privacidade que cometiam ou se tinham alguma razão que se justificasse. Muitas vezes, tinham. Outras vezes, não tinham.
Da Irlanda do Norte, não se falou mais. Ou seja, o incauto, ou distraído, espectador confirma apenas aquela ideia repetida e banal de que terrorismo na Irlanda do Norte é IRA (e longe de mim vir aqui dizer que não é verdade. Como todas as verdades, esta é contada de uma forma, digamos que, peculiar. Digamos que, parcial).
Tive muita pena, principalmente porque estou a assistir um programa feito por britânicos e que passa na Grã-Bretanha, que não se tenha referido o problema do terrorismo causado pelas UVFs, as forças paramilitares unionistas, que, mais uma vez "no que concerne" a matar gente, são tão prolíferos como o IRA. Se por acaso estou enganada e não são, é apenas porque não conseguem. Pelos vistos, os espiões britânicos preocupam-se com o grande potencial terrorista do IRA, mas parece que a UVF já foi apaziguada, e dali já nada há a recear. Está benzinho. Posso apenas esperar e desejar que tenham razão, pois, como diziam os Gato Fedorento, "eles lá dentro sabem", ao passo que eu só sei que nada sei.
Queria rematar com uma coisa que li escrita por um linguista de que gosto muito, Norman Fairclough, e que escreve bastante sobre a forma como o uso da linguagem é uma subtil, poderosíssima forma de dominação, que determina como vemos o mundo e, ainda mais importante, o nosso papel nesse mundo. E Fairclough diz qualquer coisa como "nós chamamos-lhes terroristas, e para outros eles são 'freedom fighters'" (a ideia é esta, não estou a citar palavra por palavra). Será isto apenas uma questão de nomes, de mera designação linguístca? Não. São visões diferentes do mesmo mundo  - e, por essa razão, realidades absolutamente diferentes do mesmo mundo. Paradoxalmente.
E por isto é que ninguém se entende. É como diz o Eça, "o latim é a base, é a basezinha". Quando falamos latins diferentes, vivemos em mundos diferentes. Falta-nos o verbo, a basezinha, e falta-nos tudo.

terça-feira, 3 de abril de 2012

A quem tem twitter...

... aquilo serve para alguma coisa?

(pergunto depois de ter lido este post e esta notícia sobre um episódio bizarro que se passou no twitter).

quinta-feira, 29 de março de 2012

É que não há hipótese

No outro dia, estava a dar o Reality Bites na televisão, e lá fiquei eu especada a ver. Este homem, para mim, é um íman. Pronto, entre mim e ele há uma grande barreira que é um écrã de televisão ou cinema, mas fora isso, é um íman. Ainda por cima, no Reality Bites ele faz de cínico adorável e filosófo, tão pretensioso, e eu em vez de me irritar continuo a adorar como no primeiro dia, principalmente quando ele olha directamente para a câmara e diz "nobody can eat fifty eggs". Tão pretensiosozinho, tão fofinho. Ai, ai.



Doidas, doidas, doidas andavam as galinhas

Eu conheci a C. há dez anos. Éramos duas galinhas malucas, sem mais nada que fazer do que calcorrear a pequena cidade onde vivíamos, falar do curso que estávamos a tirar e trocar canções, livros, cds, dvds, batons, pulseiras, roupa, ganchos para o cabelo, chapéu. Falávamos dos namorados que tínhamos, que queríamos ter, que havíamos tido, e de que como eram todos uns parvos e nós mais parvas ainda por gostarmos deles, e ríamos por causa disto. Falávamos de como era bom estar ali, naquela pequena cidade por onde percorríamos todas as ruas, de como era bom não ter mais nada que fazer se não estudar, eu queixava-me de ter de escrever os mini-trabalhos para Sintaxe, que detestava, e a C. ajudava-me, ela que era, e ainda é, um ás na Sintaxe, uma chomskyana irredutível e competentíssima. Em compensação, eu conseguia ser ligeiramente melhor a Fonologia, e tentava ajudar a C. por aí. E entendíamo-nos bem.
A C. fumava muito e eu pedia-lhe sempre para nunca deixar de fumar, porque ela fumava tão bem, parecia uma versão mais nova e morena das starlets dos anos 40. A C. ria-se e dizia que gostava muito da teatralidade do cigarro. Ao fim da tarde tomávamos café, ou íamos ao inenarrável "pub" e olhávamos para os caloiros entretidos no "pub crawl", perdidos de bêbedos, mas sempre muito educadinhos. Surpreendentemente. E ríamos e ríamos e falávamos do Pulp Fiction e atirávamos as falas uma à outra, eu imitava a vozinha irritante e doce da Maria de Medeiros, "whose motorcycle is this", depois a voz mais despachada do Bruce Willis, "it's a chopper, baby", "whose chopper is this", "Zed's dead, baby, Zed's dead", e esta era a minha fala, e a da C. era "I say god damn, god damn, god damn", e esfregava o nariz da forma elegante como a Uma Thurman o fazia depois de inspirar a cocaína. É claro que a C. não tinha nenhuma cocaína, aquilo era tudo a brincar.
E, nessa altura, quando éramos assim, tudo o que conhecíamos e queríamos resumia-se àquilo, a filmes de que gostávamos, a música, a tudo o que não tinha importância, e às vezes o Corto Maltese pegava na guitarra e começava a tocar, a C. cantava e eu ficava ali a olhar para eles, a aplaudir secretamente, encantada.
Era, portanto, como a música do Paulo de Carvalho, mas sem a parte da "Nini" - eles cantavam uma música só para mim e eu olhava, olhava.
E desde então é só recordar. A C. é respeitabilíssima, e esperançosamente eu também, e já não cantamos no meio da rua nem nada. A C. vai-se casar e tudo, e eu acredito no casamento, a sério que sim, quer dizer - é o pior dos estados à excepção de todos os outros e é quase inevitável. Não nascemos para estar sozinhos. Mas também é o fim de uma era. Não vale a pena pensar que ainda podemos fazer isto ou aquilo, porque não podemos. Acho que quando a vida se compõe e a pessoa se casa ou tem filhos ou, sei lá, de uma forma ou de outra se acalma, há muitas portas que se abrem e é um momento feliz. Mas fecha-se definitivamente a porta a tantas outras coisas, coisas que passam a ficar só, apenas e só, na nossa memória. E nada disto é mau - é assim, apenas. 
Bom. Hoje estou melancólica. Acontece.
I say god damn.