quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Deve haver certamente outras maneiras de uma pessoa conhecer o Corto Maltese


Este excerto, retirado de um artigo da Slate, é muito interessante, debate o problema das livrarias independentes que lutam pela sobrevivência face à Amazon e ao e-book e tal, mas o que me traz aqui não é esta preocupante problemática. É aquele excertozinho que anuncia que as livrarias são boas para "cruise for a date".
Isto foi coisa que nunca me aconteceu na vida e o meu coração enche-se de pena de mim própria ao admitir isto, porque o meu sonho sempre foi encontrar o príncipe encantado numa livraria. No entanto, nunca, nunca, nunca mas nunca alguma vez encontrei "date" algum numa livraria, e isto agasta-me, porque não consigo imaginar sítio mais encantador e romântico do que uma livraria, ainda por cima com as potencialidades que apresenta de se ficar a conhecer tão bem a outra pessoa. Se o conhecemos na secção dos romancistas russos, por exemplo, há ali pés para andar. Eu nem sequer sou fã acerba dos russos, mas um namorado que conhece o seu Dostoevsky tem classe, há que admitir.
E depois podemos apurar a escolha consoante a livraria de que gostamos mais - se somos mais para o popularucho e queremos alguém que não nos despreze porque de vez em quando lemos porcaria, vamos à Fnac; se queremos um poeta, vamos à Poesia Incompleta; se queremos um alternativo indie, vamos à Buchholz, (continua aberta, não continua? Espero bem que sim) e ainda nem sequer estamos a introduzir a Barata, a Assírio e Alvim, a Babel e outras que não sabe/não responde aqui na equaçãozinha.
Portanto, as livrarias poderiam ser o mais próximo de que dispomos de uma espécie de "pick and choose" no que concerne (não resisto a esta pirosíssima expressão) a namorados e namoradas. De modo que, como se diz no excertozito acima, as livrarias não existem primordialmente para vender livros - pois não, é para conhecermos o Corto Maltese.
No entanto, diz-me a experiência que o Corto Maltese anda por aí em aventuras e em livrarias é que ele não está. O mais próximo que estive de conhecer um "date" numa livraria foi uma vez em que estava a comprar um livrinho, muito interessante por sinal, de Nick Danziger (este - de facto, era mesmo para impressionar o indígena, ah ah). O rapazinho que estava a atender era da minha idade e, também por sinal, bastante agradável ao olhar, e ficou a mirar e a remirar o livro, disse-me que era uma escolha fantástica, e se eu era fotógrafa. Eu, parva, respondi com a verdade e disse que não. Ainda ficámos ali uns minutos a falar de fotógrafos de que gostávamos, mas a coisa ficou por ali. Que desilusão.
Porque é que a vida não está nos livros? Porque é que a gente não há de ir a uma livraria e escolher a pessoa acertada para nós com base naquilo que ele lê, quando este é um critério tão agradável, tão simpático, tão importante? E, sendo um critério tão agradável, simpático e importante, porque é que nunca se conhece ninguém de jeito nas livrarias? Eu, pelo menos, nunca conheci. Já sei, o defeito é meu.
De qualquer forma, para mim é tarde demais. A vida já me disse que o Corto Maltese não é para ser encontrado em livrarias.
Mas, para quem não for ainda tarde demais, eu desejo não só um feliz Natal como um excelente Corto Maltese (versão feminina e/ou masculina) numa livraria perto de si.

Expressão que não compreendo: "jovem"

Já me faz espécie (em si mesma, magnífica expressão) que as pessoas se refiram a essa entidade estranha designada por "os jovens". Esta série explica muitos dos problemas "dos jovens". "Os jovens" hoje em dia não querem trabalhar. A droga é um flagelo que atinge "os jovens". A expressão "a juventude" sempre é mais cómica. Continua a não ser muito simpática, mas enfim, é engraçada.
Ainda pior é quando algumas pessoas (vulgo "cotas", para usar uma expressão que "os jovens" também usam) decidem, parvamente, fazer de "jovem" uma forma de tratamento. "Jovem...?", quando vamos a uma café, por exemplo. "E para o jovem, o que vai ser?", "até à próxima, jovem".
Brrrrr. Só me consigo lembrar de tratamento pior quando, uma vez, um parvalhão qualquer se lembrou de se despedir de mim com "ilustre". Em vez de dizer, "então adeus, Rita", já que sabia o meu nome (sei que ele sabia porque me tinha chamado assim ainda nem há cinco minutos), decide dizer "ilustre... adeuzinho". Eh, pá. Mas que coisa tão feia.
Mas enfim. Eu penso que as pessoas consideram que estão a ser simpáticas quando usam "jovem". Afinal, toda a gente quer ser "jovem" e ninguém quer ser velho, muito menos tratado por "velho". Mas há formas mais simpáticas - por exemplo, apesar de eu já ser "velha" (pronto, digamos que para lá caminho estugadamente), ainda no outro dia fui a um café e o senhor tratou-me por "menina". Isto é adorável - este tratamento, sim, é gracioso, é querido. Agora "jovem".
É que, ainda por cima, eu nem sequer sou muito jovem. Aliás, vivesse eu há 100 anos e já era velha, mas com a esperança de vida a esticar e o pessoal trintão sem dinheiro a viver em casa dos pais a ter de ser apelidado de "jovem", se não ficamos mal vistos, pronto, sou jovem.
O que me leva a indagar, a questionar-me com alguma intensidade - o que se passa com o português e formas de tratamento? Parece que há tratamentos linguísticos à vontade do freguês (esta expressão, adoro). Ah, eu acho que tu tens cara de jovem? Então pronto, trato-te por jovem. Ah, tens cara de menina? Pronto, fica menina. Ah, és mais composto? Pronto, ficas "senhor". E assim por diante.
Não penso que estejamos ainda em condições de compreender o poder atribuído a quem escolhe uma forma de tratamento para se dirigir a outrem. É que entre um "você", um "jovem", "menina", "senhora", e porque não "doutor", "doutora" e quejandos, há uma grande distância, aquela que separa juízos de valor de toda a forma e feitio sobre a nossa própria pessoa. Cuidado com as aparências, é o que digo.

Adenda: este texto tem muitas aspas. É irritante. Peço desculpa pelo incómodo.

Boas razões pelas quais não quero ler este livro (Room, de Emma Donaghue)

Alguns excertos da entrevista com a autora, publicada no Expresso:

Pergunta: Este romance é narrado por um rapazinho de cinco anos. Foi difícil encontrar o tom certo, a voz ideal para o Jack?
Resposta: Para ser sincera, não foi nada difícil. O meu filho tinha cinco anos na altura e pedi-lhe emprestada muita coisa. (...)
Pergunta: A sensação com que se fica, ao longo do livro, é que o texto não foi escrito por um adulto que finge ser uma criança, mas por uma criança capaz de contar uma história terrível (...) O que é que sacrificou para chegar a esta nova linguagem? Teve de abdicar do seu estilo?
Resposta: Felizmente, eu não tenho um estilo de escrita. (...)

Se calhar, o livro é mesmo bom, e eu estou a perder uma coisa imensa.
Quando as pessoas descrevem aquilo que fazem como "fácil", fico sempre com a sensação de que lhes está a falhar qualquer coisa. O caso agrava-se quando há crianças à mistura - Picasso dizia que queria recuperar a expressividade dos desenhos das crianças, e como isso era tão difícil.
Mas pelos vistos é fácil, especialmente quando não se tem um estilo pessoal. O problema do Picasso era esse, tinha estilo a mais. Nunca se lembrou de ter menos estilo e assim resolver uma data de problemas.
Bom. A não ler, é a minha conclusão.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Coisa que não compreendo: os "spoilers" das críticas de cinema do Público

Para dizer a verdade, este infortúnio (estar a ler uma crítica de um filme no Público e despontar um spoiler, do nada, sem que a pessoa se possa precaver) só me aconteceu duas vezes. No entanto, considerando que não devia ter acontecido nunca, considero que duas vezes é sobejamente horrível e indesculpável (nota para avisar que este post também contém spoilers. Ao menos, eu aviso).
O primeiro "spoiler" foi traumático, tal foi a sua magnitude. Foi há muitos anos, há tantos que a Missão Impossível (a primeira) tinha estreado e o Y nem sequer era o Y, era uma revista pequenina e fininha que saía com o Público ao fim-de-semana. Bom. Estava eu a ler esta revistinha, embalada na crítica à Missão Impossível, e eis que se diz qualquer coisa como isto - "o que é muito bom neste filme é Jon Voight como vilão". Hã? Eu mal queria acreditar. Acontece que o papel interpretado por Jon Voight era apenas e só o de Jim, isto é, o de mentor, o de chefe da equipa. Acontece que dizer que Jon Voight era o vilão era desmascarar a surpresa toda. Ou seria que o crítico estava à espera que ninguém soubesse quem era o Jon Voight?! Como anteriormente já referi - indesculpável e muito pouco profissional.
Na minha ingenuidade, eu pensei que coisas destas não se iriam repetir. Afinal, este infeliz incidente fora há anos, o público hoje lê mais coisas, ou pelo menos tem acesso a mais coisas, revistas e sites de cinema muito certinhos, em que os spoilers são devidamente assinalados, o que torna o próprio Público também mais exigente (em consequência do seu público - ah, ah). Veja-se o site novo do Cinecartaz, uma beleza toda profissional.
Pois bem. Há uns tempos, estava eu então no site do Cinecartaz a ler a crítica a um filme que se chama Casa de Sonhos, que ainda não vi, mas que parece que é meio de terror e parece que é giro. Eu gosto de filmes de terror mas gosto de saber de antemão se são mais artísticos ou mais para o gore, de modo que me pus a ler a crítica. E cito (negrito, itálico e sublinhado meus): 


Mais uma vez, a minha destreza verbal consegue resumir-se apenas a: hã?! Mas como é que passa pela cabeça da pessoa que escreveu isto (nem é uma crítica, é apenas a sinopse) que eu quero saber que o tal Peter e o tal Will são a mesma pessoa? Mesmo que seja daquelas coisas que a gente fica a saber logo no início do filme, o que eu duvido, eu não quero saber e tenho direito a não saber. Afinal, num filme de suspense, qualquer facto novo serve para nos surpreender. Reitero - indesculpável.
Agora já nem sei se quero ver este Dream House. Mas que chatice.
Com as devidas distâncias, sinto-me um bocadinho como João da Ega quando descobriu, da forma mais parva e assustadoramente banal possível, que o Carlos da Maia era irmão da Maria Eduarda. Quer dizer, ele não tinha perguntado nada a ninguém, estava muito bem na vida dele, não pediu para partilhar de nenhum segredo, e de repente cai-lhe aquela informação no colo, e ele não pode voltar atrás, não pode fazer nada, porque quando se sabe uma coisa já não dá para deixar de saber. E depois é obrigado a fazer qualquer coisa sem ter nada a ver com aquilo. Que injustiça, que sentimento de impotência tão chato - o de saber que agora sabemos uma coisa que não pedimos para saber, que não queremos saber, que não devemos sequer saber.
A ignorância é, por vezes, bem mais sábia e sensata. 

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Tenho uma carta escrita para ti, cara bonita, não tenho por quem a mande

Tenho uma querida amiga que se dedica ao postcrossing. É um sistema parecido com aquele antigo do pen pal, só que em vez de se ter um correspondente, ou vários, em partes do mundo diferentes, recebem-se centenas de postais de variadíssimos países. A minha amiga explicava-me que se pode até especificar o tipo de postais de que se gosta, e começar a receber cartões mais personalizados só com livros, ou só com gatos, ou só com cães, ou só com paisagens, etc.
Eu nunca teria disciplina para isto. Uma coisa tão simples como o bookcrossing, tão boa ideia, foi coisa que nunca consegui fazer, porque era preciso arranjar umas etiquetas para pôr no livro a dizer que era bookcrossing, e deixar em locais específicos, e para mim isso já era muita complicação. Sou uma pessoa de mente e acções simplistas, o que posso fazer.
E porém. A minha amiga fala do prazer que é receber coisas, que não contas e publicidade, na caixa do correio. Eu já não recebo nada de interessante há tanto tempo. Longe vão os tempos em que o Corto Maltese me enviava mensagens queridas dos portos distantes por onde andava (não me estou a queixar, que é melhor ter um Corto Maltese perto de nós do que de mar em mar, mas mesmo assim, os postalinhos eram tão queridos).
Lembro-me de há muitos anos ter um amigo que me enviava todas as semanas, religiosamente, cartas de muitas páginas, sempre muito originais, com envelopes que ele próprio fazia a partir de revistas e de jornais. Era tão entusiasmante. Eu respondia também, todas as semanas ia aos correios, e alegremente partilhávamos a nossa vida assim, através da escrita e da distância física. Porque uma carta dá muito significado à distância e faz-nos perceber que ela, a distância, pode querer dizer muita coisa, ao invés de não querer dizer nada, que é o que as pessoas estão sempre a pensar.
Tal como as cartas, que hoje em dia quase ninguém envia, deixei para trás alguns amigos e recordações. Não sei o que aconteceu a esse meu amigo das cartas bonitas. É como o John Lennon canta no In My Life - há coisas que permanecem na nossa vida, outras que se esvaem.
Mas de vez em quando a gente tem saudade, pá. Saudade da distância. Para haver distância, tem de haver qualquer coisa que nos faça sentir a distância. Talvez essa coisa seja a amizade, o amor, o que quer que lhe queiramos chamar, mas cito agora outro cantautor que o explica muito bem - "sei que essa coisa é que é linda".

Não é para todos

No Brideshead Revisited, a personagem Sebastian é uma espécie de rei-sol em torno do qual orbitam uma série de súbditos voluntários e fascinados. Nunca lhe acontece (a Sebastian) nada de mal, tudo lhe é perdoado desde os tempos da escola, alunos e professores sorriem-lhe igualmente fascinados. 
Num episódio do 30 Rock que vi há pouco tempo, a Liz arranja um namorado lindo e giro, de tal forma que até os polícias lhe perdoam as multas. Ao falar com o patrão, com quem ela se dá bem, e que é interpretado pelo Alec Baldwin, que está tão engraçado nesta série, dizia, ao falar com o Alec Baldwin, a Liz chega à conclusão de que as pessoas bonitas vivem numa bolha que as protege de quase tudo, porque os outros não conseguem atingi-las e olham para elas em êxtase. Como as pessoas da Idade Média olhavam para a estátua da Virgem Maria, por exemplo. Na altura não havia super-modelos.
O caso de Sebastian e de pessoas como o Sebastian é, porém, diferente. Não é só o ser bonito. É uma espécie de aliança à super-herói de beleza e de uma piroseira qualquer que às vezes é designada por "magnetismo". Eu gosto mais da palavra "pinta".
E sobre isso já escrevi num post muito mais antigo sobre Marlon Brando. Não valerá a pena repetir.
É estranho pensar como isto acontece, este fenómeno da pintarola. Nasce-se com ele? À partida, sou um pouco avessa a inatismos, que serviam, no século XVIII, por exemplo, para justificar a condição de aristocrata e de como alguns homens seriam, pura e simplesmente, melhores do que outros apenas pelo nascimento. Eu gosto mais de acreditar no mérito. Mas esta pinta que algumas pessoas têm atinge-se com o mérito? Este Sebastian, por exemplo, é herdeiro de uma grande família nobre, vive num casarão, estudou nas melhores escolas, etc. Tem pinta por mérito ou porque a sua vida fácil lhe permitiu o tal magnetismo?
Há pessoas que têm uma espécie de poder. É estranho, é só isso.
O Alec Baldwin disse à Liz que, com o passar do tempo, a bolha rebenta e quem lá está dentro cai desamparadamente, e acaba-se a glória. Ah, ah.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Montejunto

No cimo de Montejunto, há uma eremida em ruínas e um convento com uma arquitectura muito bonita, quase parece uma cisterna abandonada, colunas simétricas, ângulos ordenados, conhecem?, e também há uma capela bonita, pelo menos por fora, e ouve-se o vento de tal forma que começamos a ter uma ideia do que Emily Bronte terá pensado quando escolheu o título para o seu livro, e do cimo de Montejunto só se vê céu e muita terra por ali espraiada, quer dizer, também se vêem as antenas enormes de televisão, agora já percebo quando era pequena e ouvia coisas sobre o sinal ou a emissão que vinha de Montejunto, e enfim, as antenas não são bonitas, mas tudo o resto é tão bonito que as antenas não o conseguem estragar.
E o que se pensa no cimo de Montejunto é que nunca ninguém ali vai acima (sim, "nunca ninguém", porque "duplas negativas", de que eu agora ouço falar muito, só se aplicam ao inglês, e a língua portuguesa pode abusar delas à vontade, ok? Porque é que eu hei-de dizer "nunca alguém"? "Nunca ninguém" é bem mais bonito e sonante, com a aliteraçãozinha do "n").
Continuando. Ponham um telhadinho na eremida em ruínas, já agora água canalizada e electricidade, e eu vivia lá bem.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Expressão que não compreendo: "o português"

Acho sempre muita graça quando as pessoas se referem a esse animal esquivo e exótico que é "o português", como se fosse uma entidade que lhes é absolutamente estranha, com a qual não têm nada a ver e que normalmente acumula todos os defeitos que elas próprias pensam que só os outros, e não elas, é que detêm.
"O português deixa tudo para a última da hora, e depois é isto".
"Já se sabe que com o português não há hipótese - é sempre tudo ao molho e fé em Deus"
"A gente ainda tenta ter algum cuidado, mas o português não está habituado a coisas boas e vai e estraga tudo"
"O português é sempre assim, andou anos a gastar dinheiro em telemóveis e carros e depois queixa-se que anda em crise"
"Anda toda a gente revoltada com os cortes e com a crise, mas o português parece que não percebe que não há dinheiro!"
O caso torna-se ainda mais engraçado quando "o português é substituído pela catita entidade designada por "tuga" - o tuga é assim, sempre a estragar tudo. Quer dizer, nenhum de nós, portugueses, se reconhece neste misterioso "português" - este "português" é uma entidade à parte, é tudo o que está mal no país, mas não é nenhum de nós. É outro qualquer. Não consigo decifrar este interessante mistério, a sério que não consigo.
E tem igualmente graça, quanto a mim, saber que o problema reside precisamente no facto de "o português" não se queixar o suficiente, de "o português" aceitar demasiadamente bem esta conversa de que não há dinheiro, de "o português" não se revoltar ainda mais indignadamente contra o afundar da sua identidade, enfim, no facto de "o tuga" engolir este discurso da crise, aplaudir o FMI e ainda chorar por mais. Tudo bem que nos ensinam a dar a outra face, mas bolas, há limites para tudo.
"O português" fez uma greve geral no dia 24 de Novembro, mas o que observo é que "o português" está, em geral, muito resignado ao discurso miserabilista que nos faz saltar para o abismo. As pessoas parece que aceitam tudo. Porquê? Porque é que não vamos para a rua partir tudo como os Gregos, mandar o governo todo para o c******* como eles merecem, se assim como assim, para os c***** das agências de rating somos lixo e ao lixo voltaremos? É quase como o eterno retorno do Nietzsche, e se é eterno, e se é retorno, ao menos que façamos espalhafato, que o mandemos à merda, que lhe cuspamos na cara, que nos aliviemos. Era só isso que eu queria - um pouquinho de alívio. 
Ah, mas a Grécia é que é bom?, querias estar como os Gregos, tudo sem ordem, tudo no caos? Sim, queria, pois queria, e qual é o mal?, queria ver uma reacção qualquer, queria uma emoção, como o Rasputine diz ao Corto Maltese, queria pessoas verdadeiramente indignadas, porque é a única reacção possível ao que se está a passar. E não, não sou funcionária pública, portanto este post não deriva do corte dos subsídios de Natal e férias.
Pronto. Esvaziei-me de alguma fel, mas não de toda a fel. Como boa portuguesa que sou, arranjo sempre qualquer coisinha para me queixar. O português, pá, realmente, nunca está satisfeito.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Pata

Disseram-me uma vez, quando eu era pequena, que ser canhoto dava muito jeito para o andebol. Até hoje não faço ideia nenhuma se isto é verdade, porque até hoje nunca joguei andebol na vida. No entanto, cresci com esta ilusão de que haveria no mundo um desporto em que finalmente conseguiria ser bem sucedida, e tudo graças à minha mão esquerda, aquela que me remete para a categoria de canhota.
A piada está no facto de eu, com a idade avançada que tenho, ainda achar que um destes dias vou jogar andebol e vou ser super-óptima-espectacular e ganhar montes de prémios, tudo à conta da minha condição de canhota, algo que me é tão natural, algo que não me custa nada, e que isso vai redimir os penosos anos de Educação Física da escola (terror), corridas e corridas à volta da porcaria do pavilhão, a ouvir as repetentes a queixarem-se de que "isto não é nada bom para as mamas", anos a correr atrás da bola de basquete como se aquilo interessasse para alguma coisa e a tentar fingir que percebia as regras do jogo, anos a fazer serviço no vólei e a bola saltar para todas as direcções possíveis menos para o campo adversário, anos a ser obviamente a última escolhida para as equipas, anos a ter de aturar todos os meus amigos na praia a quererem jogar ou vólei ou às cartas, e eu sem querer jogar a nada porque tanto um como o outro me aborrecem de morte, e ver até as minhas amigas patas como eu todas contentes, aos pulinhos de satisfação por estarem num círculo com os rapazes giros a estender os braços e a mandar com a bola não sei para onde, e eu sem perceber onde é que estava a piada. Tudo bem, rapazes giros.
E portanto desenvolvi esta fantasia, quiçá um dia realidade, de que podia ser uma pata a todos os desportos, menos no andebol, porque sou canhota, e ser canhota dá muito jeito para o andebol. Eles que esperassem para ver, gargalhada maléfica.
Nunca aconteceu, mas não quer dizer que um dia não venha a acontecer. Como diz o John Lennon, a vida é o que nos acontece quando fazemos outros planos. Nos meus planos não está jogar andebol, nem jogar a nada, portanto pode ser que este grande triunfo desportivo me aconteça por geração espontânea. 
Tudo por causa da minha mão esquerda. Aquela que me faz sentir menos pata. 

Maravilhoso mundo da abundância

Hoje fui ao Continente e estava lá uma alface à venda que era apropriadamente designada por "alface multifolhas". Aaaah... pensei melhor e deixei-a lá ficar. Alface multifolhas. Eu não gosto de alfaces multifolhas, não são bem alfaces, pois não?, tal como não gosto de tomates encarnados, cenouras cor de laranja (é estranho, cenouras que têm a mesma cor de frutos) e batatas para cozer. Só gosto das batatas que são para assar, e mesmo assim.
E depois deambulei pelo corredor dos iogurtes, já que sou fã de iogurtes, e maravilhei-me com os novos Danone sabor a pipoca (perdão - a "popcorn"), sabor Capuccino e cheesecake. Isto sim, isto já eu considero fundamental.
Não reparei a quanto estava o IVA dos iogurtes, mas acho bem que o Danone Capuccino esteja para aí a 2%. Acho um escândalo se não estiver.
Estes tempos de crise irritam-me tanto.