sexta-feira, 31 de julho de 2009

Por mim, ninguém já se detém na estrada


Eu sei que esta história facilmente se encaixa numa dessas tragédias do quotidiano que gostamos de ignorar por nos sentirmos superiores aos tabloids: mãe e filha que apanham um táxi para junto da linha ferroviária, põem a cabeça nos carris e esperam pacientemente pelo comboio que as irá decapitar. E eu poderia dizer que esta tragédia do quotidiano me arrepia, e como é terrível que isto aconteça, e etc. e tal. E de facto todos estes lugares-comuns são verdadeiros. É arrepiante, e todos os pormenores desta tragédia do quotiano são arrepiantes e gélidos, o pormernor do táxi, o pormenor de sairem de casa para apanharem o táxi para a morte. Tudo o que escrevo é um imenso lugar comum, e no entanto tão perturbador.
Não sei por que se mataram as senhoras, mas o que a mim me parece certo, de relevo, nesta tragédia do quotidiano, tão pronta a alimentar a avidez do tabloid e pasquim, é a solidão. "Não têm nenhum familiar próximo". "Os corpos ainda não foram reclamados".
No excelente concerto de ontem, Leonard Cohen, nas suas palavras de despedida, disse ao público que esperava reencontrá-lo na companhia de familiares e amigos, mas que, se não fosse essa a sua situação, então que estivesse em paz com a sua solidão. E, de facto, a solidão, tão primordial no ser humano, é também a sua grande tragédia. Os outros são a nossa única hipótese de uma escassa salvação possível. E quando não temos os "outros" na nossa vida?
Uma coisa é estar só. Outra é estar desamparado. Ainda outra, provavelmente desesperante, é estar só e desamparado. A solidão suporta-se. Penso até que a solidão é incompreendida - toda a gente a encara como uma tragédia, quando pode ser um benefício. Mas o desamparo é irredutível, trágico.
A minha mãe diz-me que a Hannah Arendt escreveu sobre isto. Tenho de ir ler.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Dance me to your beauty with a burning violin

E faltam apenas 6 dias.

Love Story?

Sem querer desmerecer Ryan O'Neil, um actor que eu respeito por ter entrado no Barry Lyndon, que eu por acaso nunca vi mas quero muito ver, e que além disso perdeu a mulher há pouco tempo, e portanto coitado, dizia, sem querer desmerecer Ryan O'Neil, gostaria que alguém me explicasse um dia o apelo de Love Story.
A minha resposta imediata a isto é que o filme não tem apelo nenhum, e destina-se apenas a deleitar senhoras já entradotas, que o foram ver ao cinema na falta de Patrick Swayze e Dirty Dancing, ou Tom Cruise e Top Gun, filmes mais tardios e de uma geração mais recente. Porém, Dirty Dancing e Top Gun são sofríveis e olvidáveis, ao passo que este Love Story parece, estranhamente, permanecer na memória colectiva. Quem é mais velho elogia-o constantemente, quem é mais novo e o vê, diz que gosta muito. Se formos à IMDB, verificamos que, na entrada para Love Story, se recomendam outras xaropadas de amor, como por exemplo O Gigante, E Tudo o Vento Levou, etc., deixando transparecer a ideia, quanto a mim errónea, de que Love Story se equipara aos grandes clássicos românticos.
Um momento. Sim, O Gigante é interminável e uma estucha, Gone with the Wind é uma xaropada, mas tanto um como outro têm, quer queiramos quer não, grande qualidade. Ambos contam com excelentes, excelentes actores: a grande Elizabeth Taylor, James Dean, Rock Hudson para o Gigante, e em Gone in the Wind a lendária Vivien Leigh, o lendário Clark Gable (canastrão ou não, é lendário), além de que este último filme tem uma produção épica e exímia, cenas bem filmadas, guarda-roupa impecável, technicolor vibrante, enfim, é um filme de antologia (fui, durante muito tempo, fã absoluta deste filme, devo confessar). São xaropadas, mas enchem o olho.
Love Story não tem nada disto. Tem um bom actor, o Ryan O'Neil, uma actriz mais ou menos, a Ali McGraw, um enredo pobrezinho, pobrezinho, mesmo paupérrimo, que culmina, de forma pouco original, com a morte da pobrezinha Ali, qual Julieta shakesperiana, mas sem a grande escrita de Shakespeare. No fundo, é o batido enredo do Amor de Perdição mas transformado em filme americano. Assim como assim, prefiro o Amor de Perdição.
Há, porém, um grande ponto a favor deste Love Story, que é a banda sonora. Aliás, estou a escrever este post porque hoje o ipod brindou-me com a versão de Astrud Gilberto, que canta a melodia do filme com uma letra em espanhol, o que me fez lembrar este filmito. Se calhar, é a banda sonora a responsável por esta resistência ao tempo deste filme sofrível. De outra forma, a razão pela qual Love Story ainda é conhecido é um mistério para mim, já que não percebo porque não se afundou, perdendo-se para sempre por entre aquilo que o tempo gosta de apagar. É, de facto, curioso como há filmes maus que, por uma razão ou outra, continuam a agradar a tanta gente. Às vezes, começo a não perceber o que determina a qualidade cinematográfica, ou a falta dela.
Enfim. Mistérios desta vida. Quem ainda não viu o Gone With the Wind não sabe o que está a perder, é o que digo.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Guilty pleasure

A minha actividade de lazer, ontem, foi ver o Crepúsculo, vulgo Twilight, uma vez que é um filme de vampiros (como já escrevi, simpatizo com vampiros); queria também saber o que justificaria toda a comoção que tem envolvido o tal filme, e já agora compreender porque é que os vampiros, subitamente, têm atraído tanta atenção por parte da indústria de entretenimento. A comoção é fácil de explicar, aliás, nem sequer é preciso ver o filme para perceber - dois jovens muito sérios e ensimesmados, com ar de novo-gótico, ambos muito bonitos. O suficiente para derrear qualquer adolescente.
O filme em si, como seria de esperar, não é grande coisa. Os actores não são bons (mas os que fazem de vampiros são todos lindos, o que, presumo, será o mais importante), o enredo é simplista e limita-se a criar desculpas para que os vampiros possam exibir os seus dotes sobre-humanos, e a história de amor entre o vampiro Edward e a humana Bella é algo, como direi, surpreendente, no sentido em que estes dois, embora mal consigam completar uma conversa de cinco minutos, conseguem estar apaixonadíssimos.
Porém. Há que dar a mão à palmatória e perceber que a indústria de cinema norte-americana sabe o que faz. Este rapaz que faz de vampiro Edward Cullen, um tal de Robert Pattinson, muito pálido, com um olhar muito intenso, sempre com cara sofredora, de grande conflito interior, resulta em cheio. Até eu fiquei com um ligeiro aperto no estômago ao vê-lo proteger a pobre namorada, e a dizer-lhe que seria melhor se se separassem, para que a pobre Bella viva em segurança. Felizmente, isso não acontece e ficam juntos no fim.
De modo que o filme não presta. Mas este vampiro Edward, com aquela palidez, aquela força sobre-humana, aquela intensidade (muito mal representada, mas enfim) está muito bem "esgalhado" (detesto esta palavra; no entanto, aplica-se bem aqui). Contra mim própria falo, mas gostei de o ver a trabalhar.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Composição

Eu gosto muito da Beth Ditto, ela nesta capa está linda, linda, e acho que é muito positivo as pessoas acharem-na super linda, porque assim destroem-se muitos estereótipos negativos para a imagem das mulheres, nomeadamente o serem gordas, porque está muito mal achar que as mulheres gordas são feias, porque ser escanzelada como as super-modelos é que está mal, e portanto eu acho que a Beth Ditto dá um bom exemplo porque mostra que é possível ser linda e ser gorda, tudo ao mesmo tempo, e isso é positivo e bom para a sociedade em geral, e assim os homens podem passar a olhar para mulheres normais e achá-las bonitas, porque hoje em dia isso não acontece, e depois as mulheres começam a ficar anorécticas para arranjar namorado e é um problema porque se ficam anorécticas não arranjam namorado nem têm filhos porque estão fracas, e se ninguém tiver filhos a sociedade não progride, e portanto se todas as mulheres forem como a Beth Ditto os homens têm de namorar com elas e têm todos filhos e a sociedade fica a ganhar, e portanto eu gosto da Beth Ditto, e além disso ela é amiga da Kate Moss, o que prova que ela é bonita, porque se fosse feia a Kate Moss não andava na rua com ela.
E canta bem.

Love affair #2, ou: lei da relatividade


Realmente, como mudam as pessoas. A primeira vez que olhei para umas Birkenstock, achei-as horrendas e pensei de mim para mim que nunca as usaria, a não ser que me transformasse num turista alemão com meias. Ora, acontece que sou muito influenciável, em primeiro lugar, pelo poder da cor, e agora há modelos Birkenstock em todas as cores do arco-íris e mais alguma, o que faz delas uma delícia. Em segundo lugar, sou influenciada pelo conforto dos meus pezinhos, e o conforto deste chinelo é incomparável. Visto isto, passei a usar Birken, solidamente, todo o Verão, sem qualquer arrependimento.
A beleza, de facto, é muito relativa, é a conclusão que eu retiro de tudo isto. Eu, que considerava um par de Birkens como o mais inestético que se pode exibir nos pés, acho, nos dias de hoje, que estas sandálias são, como determinadas pessoas diriam, "uma graça". Só é comparável a achar o Serge Gainsbourg feio com o trovão, e depois vê-lo a cantar e achá-lo lindo, o que também já me aconteceu.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Love affair


Há quinze anos, e ainda continua. Tão in love como no primeiro dia.

Melhor Blogger Hipotético: Michelangelo Merisi da Caravaggio


Há bar e bar, há ir e voltar
Blog arrependido de um pintor incompreendido

Julho, 1592
Portanto, eu fugi, né. Tinha a polícia toda à perna, eh pá, pronto, tive mesmo de fugir, né. Acho que matei um gajo qualquer lá no bar, bem, que azar do caraças, mas isto também só me acontece a mim!
Mas vá lá, consegui trazer cesto da fruta. Sem ele, nunca mais pintava nada, nada, nada!

Agosto, 1594
Ai a minha vida, acho que matei outro gajo. Tenho de mudar esta vida, já tenho outra vez a polícia atrás de mim, que chatice!
Bom, mas ontem conheci um tipo, uma coisa linda, um rapazinho impecável. Acho que o vou pôr ao pé do cesto da fruta, e pintá-lo assim. Ficava muita bem, o rapaz e o cesto da fruta.
É preciso é que a bófia não me apanhe.

Julho, 1601
Pumba, matei outro gajo. Eu qualquer dia vou preso. E ainda por cima pintei um quadro, mas um quadro muita giro, com um rapazinho muita bonito, a fazer de Dioniso, uma coisa linda. Mas começaram-me a chatear, "eh pá, ó Michelangelo, então tu pintas o Baco sentado em cima dum colchão, com as unhas todas sujas, então mas o que é isso, então mas tu parece que nem és pintor a sério nem nada" ... bem... não há paciência para estes ignorantes, né.
A ver se eu agora não mato ninguém, eu agora a ver se não mato ninguém!

Julho, 1610
Ai, ai, ai, que eu desta não me safo, ai que já matei outro gajo, ai a minha vida, ai a minha vida, mas a culpa não é minha, pois se eu nem me lembro de nada, entretido como estava lá no bar do Rubirosa, o tintol, o apelo daquele Dioniso que eu pintei, uma coisa linda... mas pronto, acho que já despachei mais uma alminha. Que mau. Desta é que vou fugir de vez, nem Roma nem nada, vou-me embora daqui, tou farto de me dizerem que não conseguem ver o que eu pinto, que é tudo escuro, ou então que é feio, e que eu pinto Nossas Senhoras feias, qué aquilo, tão gorda, e que não sei pintar a Ceia em Emaús, e a mão do discípulo tá muito grande, e não sei nada de perspectiva, bem! Que ignorantes! E depois admiram-se de eu andar por aí a matar gente.
Ah, pronto.
Diz que sim, diz que John Cheever vale, de facto, a pena.

Tempo que passa

Pela primeira vez desde há meses e meses e meses, tantos que nem consigo contar, dou por mim a chegar a casa e - a não ter nada para fazer.
Nada para fazer.
Quando Seinfeld decidiu acabar com a sua muitíssimo bem sucedida e muitíssimo engraçada sit-com, deu uma entrevista. Nessa entrevista, explicou que uma coisa que as pessoas lhe perguntavam muito era "Então agora que já não tem o programa, o que é que faz?". E Seinfeld responde - "Eu digo-vos o que faço. Não faço nada".
Eu, preguiçosa por natureza, sempre percebi este apego ao "nada" de Seinfeld (um homem que desiste da TV para não fazer nada, quando o seu programa de TV era, precisamente, sobre nada), e isto porque eu costumava considerar o meu "nada" como algo extremamente produtivo, em que lia, desenhava, ouvia música, escrevia. Mas depois de tempos infindos habituada a viver sem este "nada", agora que ele reaparece na minha vida, fico sem jeito a olhar. Não sei o que fazer ao tempo livre, da mesma forma que um ex-fumador não sabe o que há-de fazer às mãos. E também não sei o que fazer a esta terrível sensação de ter de aproveitar bem o tempo, tic-tac, tic-tac, não desperdiçar o tempo, o tempo escasseia, ai que vergonha não saber o que fazer ao tempo livre. Mas a verdade é que viver em sociedade é assim, a gente habitua-se ao tempo fragmentado, curto, a correr, compartimentado em horários e gavetas, e quando o tempo salta das gavetas para a nossa vida, ficamos abismados. Eu, pelo menos, fico.
Mas, por favor, não tomem atenção ao que escrevo. Já alguém, nome próprio Chico, apelido Buarque, descreveu tudo isto de forma tão bonita e tão superior à minha:

Vou
Uma vez mais
Correr atrás
De todo o meu tempo perdido
Quem sabe, está guardado
Num relógio escondido por quem
Nem avalia o tempo que tem

Ou
Alguém o achou
Examinou
Julgou um tempo sem sentido
Quem sabe, foi usado
E está arrependido o ladrão
Que andou vivendo com o meu quinhão
Ou dorme num arquivo
Um pedaço de vida, vida
A vida que eu não gozei
Eu não respirei
Eu não existia
Mas eu estava vivo
Vivo, vivo
O tempo escorreu
O tempo era meu
E apenas queria
Haver de volta
Cada minuto que passou sem mim

Sim
Encontro enfim
Iguais a mim
Outras pessoas aturdidas
Descubro que são muitas
As horas dessas vidas que estão
Talvez postas em leilão

São
Mais de um milhão
Uma legião
Um carrilhão de horas vivas
Quem sabe, dobram juntas
As dores coletivas, quiçá
No canto mais pungente que há

Ou dançam numa torre
As nossas sobrevidas
Vidas, vidas
A se encantar
A se combinar
Em vidas futuras
E vão tomando porres
Porres, porres
Morrem de rir
Mas morrem de rir
Naquelas alturas
Pois sabem que não volta jamais
Um tempo que passou


Oh, que belo poema.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Ler ou não ler

Ando há algum tempo para ler algo deste autor, John Cheever. Parece que era amigo de Truman Capote, e que escreveu muito sobre aquilo que esconde a vida asséptica dos subúrbios americanos. Uma vez li um artigo que designava John Cheever pelo escritor "da classe média americana". Não sei se isto será interessante, se não.
À medida que envelheço, sofro cada vez mais a angústia, não da influência, mas da selecção. Sinto que cada vez tenho menos tempo para perder com livros que não valem a pena. E receio que este escritor da classe média americana não valha muito a pena, embora também tenha receio de que valha e depois quem fica a perder sou eu. Basta lembrar-me dos anos que perdi a não gostar do Great Gatsby, apenas para o reler no ano passado e me ter apaixonado por Fitzgerald. Mas, ao mesmo tempo, pôr-me a ler este indivíduo, este Cheever, e depois descobrir que ele é uma espécie de Charles Bukowski da burguesia, seria uma desilusão e uma perda de tempo, tempo que poderia estar a aproveitar a ler coisas decentes.
Por exemplo, tenho um projecto de leitura que tem sido adiado, e que é o de ler as tragédias gregas todas que conseguir apanhar, as que já li e as que ainda não li. Ainda não o concretizei, mas quero concretizá-lo, um dia, e para isso vou precisar de tempo (e também de encontrar tragédias gregas, traduzidas, nas livrarias deste país, o que nem sempre é fácil, infelizmente). Tempo que não pode ser desperdiçado a ler John Cheever se este não passar da narrativa do desespero das donas de casa.
Portanto, a questão que eu levanto a quem tiver a enorme e muito apreciada gentileza de me responder, e que desde já agradeço, é: já alguém leu este John Cheever e, por favor, informavam-me num comentariozinho de mais ou menos cinco linhas se vale ou não a pena lê-lo?
Um sentido bem-haja.

domingo, 19 de julho de 2009


Gosto de olhar para esta fotografia e interrogar-me em que é que Truman Capote estará a pensar.
Gosto muito do fotógrafo que tirou esta foto, o Weegee. Tirava fotografias cruas da cidade, de prisões, da polícia, das multidões.
E também tirou esta, em que a Marilyn olha maliciosamente para o lado e o pequeno Truman dança com ela. Acho curioso que lhe agarre o pulso. É sinal de dominação, não é?
Enfim. Gosto da Marilyn, gosto do Truman. Apeteceu-me pôr aqui esta foto, ainda que não tenha nada de muito interessante a dizer sobre ela, infelizmente. Mas enfim, este blog serve para isso. É o meu reservatório de coisas e pensamentos que não têm nenhum lugar para ir.

I'm a sentimental, if you know what I mean. I love the country, but I can't stand the scene.

Faltam 10 dias.

Gripes

Bom.
Eu vou muitas vezes ao Reino Unido.
Eu passo muito tempo no Reino Unido.
Estou neste momento a ver um senhor na televisão a dizer que é preciso ter cuidado; li no Público que é preciso ter cuidado, embora a recomendação se aplique fundamentalmente a senhoras grávidas, o que não é o meu caso.
Por mais que queira, não me consigo preocupar com a gripe, nem com a suína, nem com a das aves, nem com qualquer outra. Se apanhar, apanhei, e tomo os comprimidos. Se os comprimidos não resultarem, paciência.
O que não me parece que vá fazer é viver a minha vida guiada pelos medos artificiais que a comunicação social gosta de criar. A mesma comunicação social que prognosticava milhões de mortes devido à gripe das aves. A mesma comunicação social que deixou de falar na SIDA, que parece que é "apenas" doença crónica, embora continue a matar hordas de seres humanos em todo o mundo.
Enfim. Os meus bilhetes para o UK continuam marcados, pagos e serão, com toda a certeza, usados.

(outra) Gaja que faz o meu estilo: Juliette Lewis


Dantes, eu gostava muito da Juliette Lewis, devido principalmente a Natural Born Killers e àquela forma vagarosa, melosa, de falar. Gosto de pessoas que falam devagar (também gosto muito do discurso lento de Nicholas Cage, por exemplo, embora ele me tenha desiludido muito, e já escrevi sobre isso e tudo, portanto não vou dizer mais nada). Mas, dizia, a Juliette Lewis é lenta a falar, o que me agrada, porque eu falo demasiadamente rápido e ninguém percebe nada do que eu digo, de modo que a minha vida é um eterno problema de comunicação com os meus semelhantes.
À semelhança de uma outra actriz de que também gosto muito, a Chloe Sevigny, esta Juliette tinha uma veia rebelde bem cheia e pulsante, e fazia filmes não propriamente bons, mas meio estranhos, como o NBK, o Kalifornia (com o seu namorado da altura, Brad Pitt - não que eu seja dada à coscuvilhice, mas gosto de saber estas coisas), e até o Cabo do Medo, que ainda hoje acho um bocadinho intenso.
Como eu sempre quis ter esta veia rebelde pulsante, mas infelizmente nunca tive, gostava de ver a Juliette a trabalhar. Vi-a no Husbands and Wives do Woody Allen e gostei muito dela, daquela beleza-feia que ela tem.
Hoje em dia, sei que tem uma banda, Juliette and the Licks, mas não acho que sejam grande coisa. Para mim, a Juliette é para ser apreciada no cinema, com aqueles olhos rasgados e estranhos, aquele sorriso meio feioso mas ao mesmo tempo bonito, o discurso vagaroso, o ar mal comportado. Gosto dela assim e espero que volte depressa.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

The apparition of these faces in the crowd; Petals on a wet, black bough.


Nome é a imitação, por meio da voz, daquilo que nomeia e imita o imitador, lê-se em Crátilo.

(disclaimer: qualquer relação entre o lindo e composto título do post, roubado a Ezra Pound, e a frase inicial, roubada a Platão, e a qualidade do post que se segue é mera coincidência)

Passado alguns míseros séculos, Saussure contradisse Platão e afirmou que as coisas não eram assim. Toda a linguagem não passa de convenção, e não é a essência. O que quer dizer que eu seria exactamente a mesma pessoa caso me chamasse Ana, Margarida, Sofia, Cristina, Joana, Maria, Constantina, Fernanda, Gertrudes.
Porém - seria, de facto, a mesma pessoa se me chamasse Gertrudes? Se calhar, não. Se calhar, crescia a não gostar do meu nome e desenvolveria problemas de auto-estima. Ou então, por ser um nome tão diferente, crescia a adorá-lo e a pensar que era a melhor. Tornava-me "manienta", como certas pessoas gostam de dizer, e não há problema, porque é um excelente vocábulo português.
Quando nos é dado um nome, ele não acaba por fazer, de certa forma, parte da nossa essência? Talvez não porque, apesar de tudo, há pessoas que mudam de nome e não mudam de essência. Mas isto talvez queira dizer que estas pessoas mudaram de nome porque encontraram outro que finalmente as define. Talvez o nome possa, de facto, ser, mais do que uma convenção, a tal essência, a Ideia.
Eu acho mesmo que sim porque, por exemplo, não gostava nada de me chamar "Cátia" (e posso escrever isto à vontade porque só com um grande azar é que há alguém chamado Cátia por entre os (poucos mas muitíssimo bons) transeuntes desta Rua). Quando conhecemos alguém com uma grande personalidade que se chama Cátia, a tal "Cátia" normalmente diz não gostar do seu nome, e nós normalmente também pensamos sempre que a pessoa não tem, de facto, "cara" de Cátia. E este critério (a pessoa ter cara de...) aplica-se à maior parte de nós. Todos temos "cara" de um qualquer nome, um nome que se aplica a quem somos. Eu, por exemplo, chamo-me Rita mas tenho uma grande cara de Louise Brooks. É que tenho mesmo, perguntem a quem quer que seja que me conhece. Não estou a mentir. É que não estou mesmo. Longe de mim.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Angústias

Escreve uma tese _ disseram-me, com olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me disseram "Escreve uma tese!"
Eu olhei-os com olhos parvos,
(Há, nos meus olhos, estupidez e cansaço)
E não cruzei os braços,
E escrevi a tal da tese.

A minha glória não é esta:
Não acompanhar ninguém
Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Como no dia em que escrevi a primeira frase

A minha vida devia ser
Um vendaval que se soltou
Uma onda que se alevantou
Um átomo a mais que se animou...
Mas pedem-me definições
E é isso que eu dou.

Sei lá por onde vou. Suspiro.

Hoje tive saudades deste conjunto musical



You crazy!???
FNM were the shnizzle-my-dizzle (that's a good thing). They were the kings of prog rock of their time. Able to condense the music of early prog rock (songs which went on for ages, think 10-20mins) into listenable pieces of punchy music. Think small victory, midlife crisis, epic, we care a lot. And dont forget they 'lived' in a time when the media darlings were Guns N Roses (in their early days), (later) Nirvana, Pearl Jam and other so-called alternative cool boys/girls.
Mike Patton and co are god!!!
(or something like that anyway - i thought this is better than just replying 'yes they are good')

Que belíssima resposta à minha, ao que parece ofensiva, pergunta "Os Faith No More não eram assim tãããão bons, pois não?".

terça-feira, 14 de julho de 2009

A memória é o mês mais cruel

Há temas recorrentes nos filmes de Woody Allen que me fazem reflectir e, às vezes, chegam quase a atormentar. Um desses temas é a memória.
Já escrevi aqui no blog que uma das frases que não esqueço, e que é pronunciada pela personagem principal de Another Woman, é I wonder if a memory is something you have or something you lost. Penso nisto tantas, tantas, tantas vezes.
Num outro filme de Woody, Husbands and Wives, a personagem de Mia Farrow separa-se do marido (peço desculpa pelo spoiler), representado por Woody Allen. Este procura atraí-la de volta com recordações felizes e carinhosas do passado de ambos, ao que Mia Farrow responde: those memories are just memories. They're from years gone by, they're just isolated moments. They don't tell the whole story.
Inclino-me mais a concordar com Mia Farrow e encarar as recordações como coisas perdidas. Todo o passado, no fundo, é uma perda imensa. E nem sei se isto é bom, se é mau. Parece muito negro e negativo, mas talvez encarar a memória como um momento que perdemos seja surpreendentemente vantajoso. Se as recordações forem más, alegramo-nos por serem já passado irrecuperável que não voltaremos a viver; se forem boas, não precisamos de ter saudades porque o que se perdeu está perdido, o que foi ao ar perdeu o lugar e já não vale a pena pensar mais nisso.
A recordação de tempos felizes é, como TS Eliot dizia do mês de Abril, uma coisa crudelíssima. Conseguem ser uma verdadeira tortura para a mente. Sei que isto é novamente o meu desgastante pessimismo a falar, mas não deixa de ser verdade.
Tenho de deixar de ver tanto Woody Allen, que, com a mania que é sueco, é bem capaz de ser responsável pela depressão que a internet, aparentemente, me diagnosticou.

I'll be wearing a river's disguise, the hyacinth wild on my shoulder, my mouth on the dew of your thighs

Faltam 16 dias (só!).

Coisas que eu não percebo: o advento da T-shirt


Por vezes, sinto-me uma dos Antigos a olhar para as invenções deste mundo.
Porém, há invenções que eu abomino ligeiramente. A começar pela roupa de Verão. Detesto as roupas que se usam no Verão; detesto aquelas cores que agridem, muito amarelo, muito verde, muito azul claro, muita alegria por todo lado que só usa quem for adolescente, porque quem não for faz figura de parva. Detesto o facto de não dar jeito usar preto porque faz calor. Detesto o facto de a roupa de Verão ser assim uma espécie de um farrapinho, quanto mais leve melhor, que serve apenas para cobrir impudicícias, e que não cumpre nenhum propósito estético. Tudo na vida deve cumprir um propósito estético, já dizia Oscar Wilde, e a roupa de Verão não apresenta este propósito nem tem nenhuma personalidade.
Porém, há uma peça de roupa em particular que eu não compreendo (deve ser muito sofisticada) e que, para mim, simboliza esta falta de carisma da roupa de Verão: a T-shirt. O que é isto? Quem é que usa isto? (sim, eu sei, usamos todos; eu própria tenho duas ou três). A T-shirt é um bocado de algodão, grosseiramente cortado em forma de T, com umas mangas feias, e que não dá para embelezar por mais bonecada que lá se estampe. Uma T-shirt de uma só cor é feia porque não tem personalidade; uma T-shirt com coisas escritas continua a ser feia porque é uma T-shirt; uma T-shirt com a marca das roupas é, além de piroso, feio porque se está a fazer publicidade de graça. Em resumo, a T-shirt não tem salvação possível.
Confesso que há T-shirts com escritos com que eu simpatizo. Estou há que tempos para comprar a que está aqui na foto ao lado porque a acho muito engraçada (mais ninguém com quem eu falei acha, mas a mim este "warn-a-brother" faz-me sempre rir); mas há que reconhecer que a T-shirt é a peça de roupa mais feiosa e mais deslavada que se pode usar. A T-shirt, quanto a mim, está para a roupa como o Tom Hanks está para o cinema: dá jeito, compõe durante uns tempos, mas chega a uma altura que já não dá para suportar o tédio e a pessoa precisa de uma coisa diferente (blusas, tops, túnicas, etc., é só ir à Zara, H&M e quejandos e escolher coisas a bom preço que não são T-shirts).
O apelo que eu aqui deixo é: não à T-shirt.
E, para terminar, este post confirma que o Verão é, de facto, a silly season, em que algumas pessoas muito "silly" se ocupam a escrever todo um texto dedicado a temas interessantíssimos como o concernente (bonita palavra) à T-shirt.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Qual é a diferença entre tristeza e depressão?
Não penso estar deprimida, mas ontem fiz uns dois ou três testes na internet e parece que tenho todos os sintomas de depressão menos dois. A internet disse-me que eu devia consultar um médico rapidamente.
Parece que, afinal, estou deprimida. E eu que nunca tinha dado por isso.

Tea and oranges, all the way from China

Faltam 17 dias.

O insustentável peso do ser


Vi ontem, na RTP2, um documentário surpreendente e estranho. Chamava-se Grey Gardens, e era sobre duas senhoras, mãe (Big 'Edie') e filha ('Little' Edie), que viviam isoladas, sem dinheiro e sem ajuda, num casarão nos Hamptons, uma zona chique perto de Nova Iorque onde os endinheirados vão passar férias. O pai, nos dias de opulência, tinha abandonado a mãe na mansão; esta tinha chamado a filha para viver consigo, e a filha acedera, abandonando a sua vida em Nova Iorque para fazer companhia à mãe. Envelheciam as duas numa mansão vazia e enorme, decadente e esquálida, cheia de sombras e uma estranha alegria amarga, ou pelo menos assim parecia, quando os documentaristas as filmaram. As duas senhoras tinham chamado a atenção por viverem numa casa decadente e mal cheirosa, cheia de gatos e ratos e outros animaizinhos, de tal modo que os vizinhos já se tinham queixado; por outro lado, o facto de serem tia e prima de Jackie Kennedy e/ou Onassis também não passava despercebido. Aliás, a Jackie K. e/ou O., ao saber da indigência das familiares, abriu os cordões à bolsa para limpar e fazer obras à casa, mas isso já não aparece no documentário.
O que aparece é uma vida bizarra, de completa isolação, em que duas mulheres vivem uma rotinha de uma estranheza absoluta, alimentando-se de memórias dos dias em que cantavam e dançavam e eram felizes. A lembrança dessa felicidade é aquilo que as sustém, é quase elástica - a mãe, Big Edie, fala do antigo marido, de como a sua vida foi preenchida, de como cantava belíssimamente, e como ainda hoje é feliz com os seus gatos e com as caganitas que estes lhe deixam no quarto; a filha, Little Edie, diz que as únicas coisas que gosta na vida são a Igreja Católica, dançar e nadar; fala constantemente do regresso a Nova Iorque, de como a sua vida está em standby para que a possa retomar na cidade, de como a sua mãe a irrita ao afastar todos os (poucos) pretendentes que foi encontrando. Little Edie parece não perceber que tem 56 anos. Para ela, viver naquela enorme casa assombrada é um sonho, um estado passageiro, que acabará em breve e lhe abrirá a porta para a felicidade esperada, cheia de dança, de canto e de homens de sonho (não ter um homem que nos peça em casamento é um nojo, diz ela).
Este documentário, que rapidamente faz lembrar obras de ficção sobre a solidão e seus terríveis sucedâneos (o grande Sunset Boulevard e Whatever Happened to Baby Jane vêm imediatamente à mente), é triste e bonito e engraçado, tudo ao mesmo tempo. Gostei mesmo muito do filme e das estranhas Edies, mas não deixa de ser um terrível retrato de uma solidão inexpugnável. É estranhíssimo perceber que, afinal, o ser humano precisa desesperadamente dos outros, precisa de pessoas que confirmem a sua "ligação à terra" (e a mim custa-me dizer isto, porque sempre fui de opinião que quanto menos pessoas houver a chatear a vida de alguém, melhor). No fundo, o ser humano precisa de ser recordado por alguém, precisa que os outros saibam que ele exista, para não se tornar num fantasma, que era quase o que esta mãe e filha eram, apesar de todo o seu encanto (pareciam muito engraçadas e queridas).
O ser humano não é leve, e se é, precisa de ser pesado; precisa de, como dizia Nietzche, "provar a sua fidelidade à terra", não através do niilismo, mas antes de amarras ao mundo real, amarras que nos tornam pesados, presos à terra. Estas amarras são as outras pessoas. E eram estas amarras que a Big Edie e a Little Edie não tinham.
Um belíssimo filme. Vale muito a pena ver, é o conselho que aqui deixo, esperando que a minha vã filosofia barata não tenha estragado o apetite para este belo Grey Gardens.

sábado, 11 de julho de 2009

I locked you in this body, I meant it as a kind of trial. You can use it for a weapon or to make some woman smile.

Faltam 19 dias.

Paixão

Há pouco tempo, falava com umas amigas (ou melhor: falavam elas comigo) acerca de personagens literárias por quem nos poderíamos apaixonar.
Depois de encetado este tema de conversa, eu cheguei muito rapidamente à conclusão de que sou uma pessoa muito pouco original. As personagens literárias que aceleram o meu coração são, dos estrangeiros, Corto Maltese, em primeiríssimo lugar; Heathcliff, do Monte dos Vendavais, por ser um daqueles homens "difíceis" e intensos, que a gente pensa sempre ter um coração de manteiga escondido por baixo de todas aquelas camadas de malvadez que só nós poderemos descobrir, e assim sentirmo-nos muitíssimo importantes. Dos nacionais, a personagem literária por quem me apaixonei é Carlos da Maia. Também é uma escolha muito pouco original, porque para ser a mulher da vida do Carlos da Maia basta apenas não ser irmã dele, o que é facto muitíssimo fácil de se conseguir. Adoro o Carlos, porque é boa pessoa, bonito, moreno, tem os olhos "negro líquido", os cabelos escuros anelados dos Maias, o que me parece bem - embora seja desempregado, o que não é bom (Carlos da Maia não desenvolve nenhuma actividade de jeito durante todo o livro; ele próprio se irrita com o seu lado excessivamente diletante). Mas enfim, com um namorado desempregado a viver num casarão, com uma charrete a seu dispor e rendimentos anuais posso eu bem.
Acho que nunca me apaixonei por mais nenhuma personagem. Gosto muito do Jay Gatsby, por exemplo, mas não me parece que seja amor. Não ainda, pelo menos - o amor, mesmo o literário, é uma coisa complexa que não acontece sempre e não se consegue explicar porquê. Não dá para forçar, é mesmo assim.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

You're living for nothing now. I hope you're keeping some kind of record.

Faltam 22 dias.

Os frisos da ira




...consider this: the body of the goddess Iris is at present in London, while her head is in Athens. The front part of the torso of Poseidon is in London, and the rear part is in Athens. And so on. This is grotesque.


To that essentially aesthetic objection the British establishment has made three replies. The first is, or was, that return of the marbles might set a “precedent” that would empty the world’s museum collections. The second is that more people can see the marbles in London. The third is that the Greeks have nowhere to put or display them. The first is easily disposed of: The Greeks don’t want anything else returned to them and indeed hope to have more, rather than less, Greek sculpture displayed in other countries. And there is in existence no court or authority to which appeals on precedent can be made. (Anyway, who exactly would be making such an appeal? The Aztecs? The Babylonians? The Hittites? Greece’s case is a one-off—quite individual and unique.) As to the second: Melina Mercouri’s husband, the late movie director and screenwriter Jules Dassin, told a British parliamentary committee in 2000 that by the standard of mass viewership the sculptures should all be removed from Athens and London and exhibited in Beijing. (novamente retirado daqui).

Eu, sinceramente, não sei que opinião ter relativamente a este assunto. O meu coração, que gosta muito da Grécia, é de opinião que os frisos do Partenon devem ser devolvidos ao país de origem, já que Atenas tem agora um novo, e pelos vistos belíssimo, museu aos pés da Acrópole onde pode acolher e tratar da sua arqueologia; por outro lado, os frisos estão já há séculos em Inglaterra; é verdade que lá foram parar por grosserias históricas, mas aconteceu o mesmo a centenas de outras peças de arte. E o argumento do Museu Britânico (obras de arte da categoria dos frisos não são apenas da Grécia, mas sim de toda a Humanidade), não deixa de fazer sentido. Ao mesmo tempo, ninguém pode discordar dos Gregos quando estes reclamam as suas insuperáveis esculturas de volta, já que estas fazem parte da sua história, do seu património, e já que agora têm condições para as resguardar da poluição e para lhes dar um lar confortável e digno do seu esplendor. Também é verdade que, como diz o meu pai, o Museu Britânico é o museu da "roubalheira internacional", mas, como também admite o progenitor, é igualmente um museu de cortar a respiração, tal a grandiosidade do seu espólio. É um privilégio ver tanta herança da Humanidade ali toda junta; os frisos fazem parte dessa herança, e o facto de estarem no Museu Britânico dá muito jeito ao visitante, que fica com uma ideia geral das coisas, e sai de lá com o olhar e a mente regalados, sem ter de ir a Londres, e depois à Grécia, e depois à Síria, e depois ao Egipto, etc. Vai ao Museu Britânico e fica logo despachado numa viagem.
Mas enfim. Se os frisos forem devolvidos, e se o espólio de Londres se juntar ao de Atenas, para que se possa reconstituir todo o desfile de esculturas, a Humanidade também tem muito a ganhar com isso.
Portanto, não sei. Entre a Inglaterra e a Grécia, quero que ganhem as duas.

Different Class


A classe social é uma eminência parda, mas verdadeiramente uma eminência, na velha Albion. A sensação que tenho é que toda a gente que vive em Inglaterra sabe exactamente a que classe pertence - upper, middle or working, sendo que nos interstícios há lugar para alguma variação; por exemplo, a working class é distinta de uma outra classe (a chamada "underclass") que não é "working" porque não tem emprego e vive de constantes subsídios estatais; as classes upper, middle e working não gostam deles porque acham que são todos imigrantes que lhes roubam o dinheiro dos impostos. Também há uma outra classe, mais associada à working class, que são os chamados "chavs" (ignoro a etimologia do termo); estes chavs, por sua vez, associam-se a uma outra classe designada por "asbos" (que vem de "anti-social behaviour"). Caracterizam-se por comerem muitas batatas fritas, usarem bonés foleiros a imitar Burberry's, falarem muito alto e meterem medo às classes upper e middle; as raparigas chavs usam muita maquilhagem, unhas de plástico, também falam alto, e andam sempre a engravidar clandestinamente. Em geral, os "chavs" não se dão bem com a "upper class" porque acham que estes últimos falam com um sotaque irritante, de quem tem a mania que é bom; a upper class não gosta dos chavs porque diz não perceber sequer a forma como eles falam; os chavs também não gostam da middle class porque esta tem a mania de ir à universidade e também achar que é boa; a middle class não gosta dos chavs porque, igualmente, não percebe o que eles dizem e têm medo que haja um qualquer que lhes engravide a filha, e depois esta já não pode ir para Oxford nem para Cambridge, ou para uma universidade no resto do país que seja, e vai a família toda escala social abaixo, com uma mãe solteira ali a estragar tudo.
De modo que é complicado. E não há lugar mais priviliegiado para observar o complexo escalonamento social britânico do que determinados eventos-chave, como por exemplo a regata de Henley (ou por outra: a Real Regata de Henley), que é o equivalente às corridas de cavalos de Ascot, mas com barcos. Em primeiro lugar, para ir ver a regata, tem de se ter um "passe" e só se pode entrar com vestido abaixo do joelho, regra que só se aplica às senhoras; os senhores devem ir bem vestidos, de preferência com o blaser do seu clube de remo. As senhoras podem e devem usar aqueles lindíssimos chapéus muito complicados com metros de tecido, e os senhores não podem tirar o casaco, porque não se deve andar em mangas de camisa que nem um moço de estrebaria (que, como todos sabemos, é um emprego muito comum e que paga bem). Acontece que este ano fez um calor imenso e insuportável, de modo que alguém decidiu que os senhores poderiam, excepcionalmente, despir o blaser. Alguns optaram por o fazer, outros acharam que era uma escandaleira, porque desde o século XIX que não é permitido tirar o casaco na Regata de Henley.
E isto é a parte composta e civilizada de Henley, em que, tal como cantava John Lennon em Glass Onion no White Album, se constata " how the other half lives". Mas, uma vez que é possível comprar bilhetes para ir ver a regata, esta é invadida por hordas temíveis de working class, chavs, asbos, que se apressam a tirar a camisa e andar por ali de tronco nu e chinelos, sentando-se na relva a comer fish and chips. É um contraste prodigioso entre esta descontracção e as compostas senhoras de longo vestido e ainda mais longo chapéu. No entanto, quem tiver o passe para a chamada "stewards enclosure", um recanto delimitado por vedações, com grandes pavilhões brancos que protegem do sol e onde não se pode sequer usar telemóvel, vê-se rodeado do grande sentido de classe e civilidade britânicos.
No entanto, quem é estrangeiro, como eu, limita-se a apreciar o bom tempo, os rápidos barcos, os esbeltos remadores, a bonita e verde paisagem rural inglesa, segura de que uma nacionalidade mais confortável, como a portuguesa, permite uma feliz distância das complexidades do classismo. Embora me pareça que Portugal é também um país flagelado por uma enorme e notória estratiticação social - o que ficará, possivelmente, para outro post.

Este blog é, definitivamente, para velhos


Tive a grande sorte, oportunidade e tempo para ir ver Neil Young ao vivo em Hyde Park, a semana passada. Foi um gosto, um concerto maravilhoso. Mal entra em palco, o velhote e roqueiro Neil, de longos cabelos grisalhos e T-shirt descomposta, pega na guitarra e arranca com os acordes de Hey,Hey, My, My ("rock and roll will never die!", gritava toda a gente, porque a canção assim o exigia), num rock absolutamente desenfreado. Uma maravilha. Tinham-me dito que o Neil era o pai do grunge, e fiquei a perceber porquê. Depois, todos os músicos que o rodeavam eram igualmente velhos. Até a menina do coro, de mini-saia e rabo-de-cavalo, era velha. E tocavam, tocavam, tocavam, sem parar e impecavelmente - o espectáculo deve ter durado duas horas e tal, compensando, e mais que recompensando, cada cêntimo (ou melhor, "penny") que se pagou.
No final, depois de ter atacado soberbamente o imprescindível "rockin' in the free world", e quando eu já pensava que o Neil se ia deitar, este último, ao invés de se retirar, começa a tocar os acordes de A Day in the Life, fundamental canção do fundamental Sargeant Pepper's. Começa tudo a cantar desenfreadamente, e eu muitíssimo empenhada a competir com as gargantas inglesas, que, há que reconhecer, sabem os Beatles de cor e salteado, e ainda bem. Ora, acontece que esta canção tem dois "momentos" - um primeiro "momento", escrito por John Lennon, que dá lugar a um segundo "momento", bastante diferente, escrito por Paul McCartney. Quando Neil se aproxima do tal segundo "momento" ("woke up, got outta of bed, dragged a comb acrossed my head..."), surge uma figurinha à boca de cena, vestida de cinzento. A princípio, ninguém sabe quem ele é. Depois, a figurinha aproxima-se do Neil e começa a cantar com ele. Nada mais nada menos do que o próprio Paul McCartney. Ao vivo. A cores. Em palco. A cantar a sua linda canção. Com o Neil.
Bem. Não há palavras que descrevam isto. Não posso evitar soar como uma adolescente e dizer que foi, verdadeiramente, o "delírio", porque ninguém sabia que o Paul ia fazer esta surpresa. Dois velhadas a rockar, magnificamente.
E eu, que nunca gostei muito, muito, do Paul McCartney a solo, eu que dizia que vê-lo ao vivo não era verdadeiramente importante, eu que dizia isto e aquilo, ao vê-lo ali, tão surpreendentemente, a cantar Beatles, foi de estarrecer. Só não chorei porque enfim, chorar não é o meu estilo.
Impecável. Grande Neil Young. Querido Paul McCartney. Este blog é, definitivamente, para velhos.